Oásis de colunas

Qui, 30/03/2006 - 00:00
Mil anos avançam sobre ela e ao invés de debilitar, imprimem força. Ainda que adulterada e invadida, não há templo comparável à Grande Mesquita de Córdoba. Da grandiosa cidade do califado há poucos vestígios. As milhares de lojas e ateliês, as estalagens onde se abrigavam os viajantes e seus animais, escolas, bibliotecas, numerosos banhos públicos, os hammans apreciados por qualquer cidadão comum. Nada disso é visto na Córdoba atual e as ruínas de "Madinat-al-Zahra" passam por escavações. Alguma peça da época pode ser apreciada no "Museo Arqueológico Provincial". Porém, ainda que longe do aspecto original, o monumento é tão vivo que no seu interior é possível ver além. A Grande Mesquita nasceu e cresceu com os omíadas. A sede do califado, centro comercial e pólo irradiador do legado da sabedoria grega, se expandia como reflexo da extensão do poder da dinastia, cujo ponto alto foi o reinado de Ab al Rahman III. Houve várias ampliações porque a cidade abrigava um número cada vez maior de moradores e visitantes. A mesquita foi construída a partir de um templo visigodo, edificado sob ruínas romanas. Contam que, dividido por um muro, servia de local de oração para cristãos e muçulmanos. Isso acabou quando Ab al Rahman I, o sobrevivente, plantou ali as bases da mesquita, no século VIII. "O arco em forma de ferradura, que acreditamos ser um protótipo da estética muçulmana, na verdade fazia parte da tradição arquitetônica das igrejas da Espanha pré-muçulmana. Os arcos duplos, com sua aparência singular e quase alucinatória em branco e vermelho, podem ser vistos em aquedutos romanos, um dos quais, imponente, encontra-se em Mérida, não muito distante de Córdoba." (M.R.Menocal) Depois de atravessar o "Patio de los Naranjos", cheio de palmeiras e laranjeiras, nos perdemos no interior da mesquita entre pilares e arcos. Por mais de 800 colunas, a profundidade se alonga e a perspectiva movediça nos convida a dar mais um passo, e mais outro, e outro nos lança ao recolhimento. Não há um altar central porque o próprio chão é o lugar de oração: o ponto escolhido para rezar torna-se o centro do templo. O "mihráb", nicho de oração onde se guarda o Alcorão, sinaliza a direção de Meca. Bem conservado até hoje, o mihráb foi decorado por artistas vindos de Constantinopla. A pedido do filho e sucessor de Ad-al-Rahman III, Al-Hakam II, vieram ao al Andaluz ensinar a lavra do mosaico bizantino. Porém, o fundamento técnico da composição, está ancorado no estilo geométrico da arte islâmica al andaluza. A cúpula, de acústica extraordinária, foi construída a partir de um só bloco de mármore. A beira do Guadalquevir, uma ponte romana do tempo de Julio César nos leva ao templo. Abaixo da ponte há restos de moinhos árabes, onde funcionava a noria , roda d'água que extraía água do rio. O vizir Hasdai e o médico Maimônides caminharam por ali. Averrois fez preces no chão coberto de esteiras, depois de lavar as mãos na fonte do pátio da Grande Mesquita. Meu olhar se encontrou com o olhar de Ibn Hazm, o poeta, nas contas do mosaico do "mihráb", ambos sem palavras, cada qual com as indagações do seu coração e tempo, diante da beleza imponderável, testemunha do que já não é. A Grande Mesquita reserva emoção e surpresa. E muitas outras histórias.