Cineasta brasileira documenta mulheres muçulmanas e o uso do véu no Reino Unido

Sex, 08/11/2013 - 17:39
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Uma narrativa pessoal, com base documental e abordagem poética, conta a história de três mulheres muçulmanas de lugares distintos, que vivem no Reino Unido e que, por opção, fazem uso do véu no seu dia a dia. Trata-se da produção independente “Nem Sempre me Vesti Assim” (“I Wasn´t Always Dressed Like This”), cujo ponto central é o uso do acessório como processo íntimo, atribuindo-lhe um olhar crítico e particular. O trabalho foi exibido na Universidade Kings College, em Londres, entre outras instituições, com debates após as sessões.

A ideia do documentário surgiu de um processo de observação da diretora, que reside há 8 anos no Reino Unido, ao encontrar mulheres usando o véu por afirmação de sua identidade. Ela resolveu pesquisar sobre o assunto e percebeu que tudo que conhecia sobre esse universo vinha da mídia, filmes e notícias. “Comecei a desconstruir, não somente o véu e essas mulheres, mas o meu conhecimento sobre elas e as estruturas que o mediam”, explica.

Para a cineasta, o preconceito sobre o tema faz parte da memória cultural das sociedades de outros contextos e por isso a dificuldade de quebrá-lo. Neste sentido, ela desenvolveu uma metodologia especifica para entrevistar suas personagens, que consistiu em não fazer perguntas diretas. Segundo Betty, tais perguntas não tinham o intuito de satisfazer sua própria curiosidade. “Nunca pedi nenhuma justificação, pois esse tipo de abordagem iria acabar com a beleza complexa e reflexiva do véu, logo não ia conhecê-las. Eu explorei com elas memórias e experiências.O resultado é plural, complexo, dependente do contexto. É experiencial e extremamente feminino”, ressalta a cineasta, que está no Brasil pesquisando espaços para a exibição do documentário.

Em seu terceiro filme como produtora e diretora, Betty afirma que trabalha sempre pautada em questões sobre memória cultural, partindo de pequenas narrativas. “Como documentarista não tenho compromisso em apresentar a verdade, mas sim as realidades. O conhecimento para mim está dentro dessas conexões locais. O trabalho da memória e das micronarrativas oferece universos mais ricos, complexos e livres. A memória cultural é elemento essencial na história. Devemos saber sobre ela para poder entender questões contemporâneas de interesse social, como influenciam também nosso cotidiano e vice e versa, entendendo também porque pensamos de certa maneira.”

Sobre as transformações pelas quais o mundo tem passado e a relação com a mulher e o uso do véu, Betty diz que este carrega um caráter ideológico. Além disso, ela acrescenta, seu significado foi ridicularizado ao longo da história, por interesses diversos. “Hoje, com a tecnologia de novas mídias, o conhecimento não é tão monopolizado ou centralizado. De repente começamos a ver mulheres de véu tomando espaços importantes, como o político, e algumas ativistas, feministas, o que não costumávamos ver.”

Betty destaca o papel da mídia, que tem reforçado o preconceito sobre o tema e a formação de um pensamento que não condiz com a realidade dessas mulheres, mas é pautada em interesses. “Depois do 11 de setembro, muitas mulheres muçulmanas começaram a usar o véu como resposta à tensão que se criou sobre o Islã, como forma de afirmação de identidade, algo extremamente político.”

Toda esta construção midiática pode ser amplamente percebida quando a guerra foi usada pelos Estados Unidos como resposta aos ataques de 11 de setembro e também justificada como a guerra para “salvar” as mulheres muçulmanas. “Imagens carregadas do discurso de mulheres oprimidas e veladas foram usadas interessadamente dentro desse discurso. A imagem está lá, nos filmes hollywoodianos, nos artigos, na mídia. Por isso é difícil pensarmos o véu de outra forma a não ser essa”, conclui.