Relatório do Acnur aponta crise na educação de crianças refugiadas
Mais de 3,5 milhões de crianças refugiadas com idade entre 5 e 17 anos não tiveram a oportunidade de frequentar a escola no último ano letivo, revela o Acnur (a Agência da ONU para Refugiados), em um relatório divulgado na terça-feira, dia 12.
O relatório aponta que isso o número inclui cerca de 1,5 milhão de crianças refugiadas que não tiveram acesso ao ensino fundamental, enquanto 2 milhões de refugiados adolescentes não frequentaram o ensino fundamental.
“Dos cerca de 17,2 milhões de refugiados sob o mandado do Acnur, metade são crianças”, disse Filippo Grandi, o Alto Comissário da ONU para Refugiados. “A educação desses jovens é fundamental para o desenvolvimento pacífico e sustentável dos países que os receberam, e para os seus próprios países, uma vez que eles consigam retornar. Quando comparamos com outras crianças e adolescentes ao redor do mundo, percebemos que a lacuna de oportunidades para refugiados está cada vez maior”.
O relatório “Left Behind: Refugee Education in Crisis” (Deixados para trás: crise na educação de refugiados, tradução livre), compara as fontes e estatísticas do Acnur com dados da Unesco, a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura, sobre inscrições escolares em todo o mundo. Globalmente, 91% das crianças frequentam a escola. Para refugiados, este número é bem menor, atingindo apenas 61% - e em países de baixa renda, é ainda menor que 50%.
Conforme as crianças refugiadas vão crescendo, os obstáculos também aumentam: apenas 23% de adolescentes refugiados estão matriculados no ensino médio, em comparação com 84% globalmente. Em países de baixa renda, apenas 9% dos refugiados têm a oportunidade de frequentar a escola.
A situação é ainda mais crítica em relação ao ensino superior. Em todo o mundo, 36% das pessoas chegam à universidade. Para os refugiados, apesar de aumentos consideráveis em números gerais graças ao investimento em bolsas de estudo e outros programas, a porcentagem continua restrita a 1%.
Se não agir para reverter essas tendências, a comunidade internacional não conseguirá alcançar seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – 17 objetivos que visam transformar o mundo até 2030”. O objetivo 4, “Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”, não será atingido sem que se atenda às necessidades educacionais das populações mais vulneráveis, incluindo pessoas refugiadas e outras que foram forçadas a se deslocar. Muitos outros objetivos de desenvolvimento direcionados à saúde, prosperidade, igualdade e paz estarão ameaçados se a educação for negligenciada.
O relatório defende que a educação seja considerada uma resposta fundamental nas emergências que envolvem pessoas refugiadas, e que receba apoio por meio de um planejamento a longo prazo e financiamento estável. O documento solicita que os governos incluam refugiados em seus sistemas nacionais de educação como forma de oferecer uma resposta mais eficaz, igualitária e sustentável, e destaca alguns esforços notáveis feitos no sentido de implementar essas políticas – mesmo em países onde os recursos já estão sobrecarregados.
As conclusões do relatório destacam ainda a importância do ensino de qualidade, e da necessidade de redes de apoio nacionais e internacionais para manter os professores treinados, motivados e capazes de causar um impacto positivo nas salas de aula mais complexas do mundo.
Inúmeras histórias pessoais apresentadas no relatório demonstram que enquanto refugiados estão desesperados para terem acesso à educação – totalmente conscientes do efeito transformador que isso tem em suas vidas – existem pouquíssimos professores, salas de aula, livros escolares e mecanismos de apoio para atender essa enorme demanda.
Este é o segundo relatório anual sobre educação publicado pelo Acnur. O primeiro, “Missing Out” (Perdendo algo, tradução livre), foi publicado antes da Assembleia Geral da ONU para Refugiados e Migrantes, em setembro do ano passado. A Declaração de Nova York para Migrantes e Refugiados, assinada por 193 países, pôs a educação na linha de frente da resposta internacional.
“Apesar o enorme apoio para a Declaração de Nova York, um ano depois, os refugiados correm o risco real de serem deixados para trás em termos de educação”, disse Grandi. “Garantir que refugiados tenham acesso igualitário à educação de qualidade é responsabilidade de todos. É hora de todos nós colocarmos as palavras em prática”.
O relatório do ACNUR descobriu que o número de matrículas de crianças refugiadas em idade escolar no ensino fundamental aumentou no último ano letivo de 50% para 61%, graças ao grande aprimoramento de políticas e investimentos em educação para refugiados sírios, assim como a chegada de crianças refugiadas à Europa, onde a educação é obrigatória. Durante o mesmo período, o acesso ao ensino fundamental permaneceu estagnado, com menos de um em cada quatro adolescentes refugiados matriculados na escola.
Algumas consideráveis barreiras continuam existindo, principalmente porque praticamente um em cada três refugiados vivem em países de baixa renda. Eles têm menos probabilidade de irem à escola – seis vezes menos chances do que outras crianças em todo o mundo. Os países que os acolhem, e que muitas vezes já lutam para encontrar formas de oferecer educação para suas próprias crianças, enfrentam a tarefa adicional de encontrar vagas em escolas, professores treinados e qualificados, e materiais educacionais adequados disponíveis para dezenas ou mesmo centenas de milhares de recém-chegados que muitas vezes não falam o idioma em que as aulas são ministradas, ou que frequentemente perderam cerca de quatro anos de ensino.
“O progresso percebido na quantidade de crianças refugiadas sírias matriculadas demostra claramente o potencial para reverter essa crise na educação de crianças refugiadas”, disse Grandi. “Porém, o nível abismal de matrículas escolares para crianças refugiadas que vivem em regiões de baixa renda aponta claramente para a necessidade de investir nesses países de acolhimento frequentemente esquecidos”.
A versão multimídia do relatório pode ser encontrado em http://www.unhcr.org/left-behind (em inglês).