A consciência do Oriente Médio

Qua, 30/04/2008 - 11:00
O Oriente Médio nunca esteve tão dividido como hoje. Ao lado do conflito israelo-palestino , o conflito turco-curdo se intensifica, o medo árabe do Irã aumenta e o Iraque nos provê um vívido e tangível retrato do Inferno. Por outro lado, o Oriente Médio jamais esteve unido como hoje. É suficiente contemplar a ligação Iraquiana-Turca sobre a questão curda e Iraquiana-Iraniana sobre a questão xiita. Na verdade, é suficiente olhar para o contraditório consenso sobre a questão palestina, que se tornou um mero elemento de instrumento, perdendo todo seu significado histórico. Alguém pode também olhar para a extensão do envolvimento em muitas questões árabes, assim como a habilidade de Damasco em ignorar os árabes em favor do Irã. O quinto aniversário da guerra no Iraque claramente expõe a responsabilidade de todos em forçar as estruturas árabes, seja no nível da segurança ou da consciência, até o ponto do colapso. Sem mencionar que se tornou impossível discutir questões como religião e modernidade no mundo árabe sem referir-se à experiência turca. A causa palestina foi tradicionalmente uma linha divisória entre árabes e não-árabes. Era costume dizer que tanto o Irã sob o Xá quanto a Turquia sob a Otan eram aliados do Estado Judaico, mas isso agora tornou-se um mero nonsense. Politicamente e ideologicamente, o Irã tornou-se o que os árabes um dia foram. Enquanto a Turquia, semi-islâmica e semi-militar, agora se coloca numa posição mais complexa, pois “interfere” à sua maneira na sua vizinhança mais ampla, mediando entre Damasco e Tel Aviv. Mesmo a questão palestina não é o que costumava ser, não só porque o palestianismo de Mahmoud Abbas difere qualitativamente do de Mahmoud al-Zahhar, mas também porque a posição de tomada de decisões que Ahmadinejad hoje tem na questão não é objeto de questão nem de nacionalidade nem de “nacionalismo”. Dado o que o “Arabismo” veio a ser, é como se nós estivéssemos no processo de formar outra identidade, uma ainda encoberto na obscuridade. De forma parecida, em Israel, a emergência do “Pós-sionismo”, à margem de Oslo e de suas ruínas, sugeriu a necessidade de algo similar, demandando uma forma mais clara de auto-identificação. Esse “Oriente Médio” é o que nacionalistas árabes e radicais em geral sempre odiaram. Eles vêem isso como um produto colonialista que procura enfraquecer o arabismo, ainda que o arabismo jamais tenha cessado em enfraquecer a si mesmo, sem necessidade de ajuda de quem seja. Radicais mais sofisticados insistem que nós somos apenas um “Oriente Médio” aos olhos dos ocidentais e na nossa situação geográfica vis-à-vis ao Oeste, sem notar nosso pobre senso de direção enquanto um relógio suíço determina onde nós oramos e adoramos. Décadas antes de Shimon Peres especializar-se na amarração do Oriente Médio, Michel Aflaq especializou-se em acusar os “Shuubiyyin”, ou seja, os parceiros não-árabes do Oriente Médio, de sabotar a civilização e a cultura árabes. Mais freqüente do que se imagina, a sabedoria da luta concluiu que a função do Oriente Médio era colocar Israel discretamente no seu interior e deixá-lo escondido no seu interior com tal disfarce. Quando Condoleezza Rice começou a alardear com orgulho a “novidade” do conceito, aqueles que duvidavam perceberam o quão verdadeiras as suas suspeitas. Nossas questões hoje, no entanto, são médio-orientais em uma medida sem precedentes, assim como as últimas de nossas guerras foram, a de Julho de 2006, o engajamento militar Israel/Síria-Irã. A questão palestina, assim como a curda, requere esforços transnacionais e trans-étnicos. Enquanto isso, a maioria de nossos maiores rios é compartilhada por dois ou mais Estados, alguns dos quais são não-árabes. A sede está nos confrontando, e há também as armas nucleares, certamente presentes em Israel, e possivelmente presentes no Irã de amanhã. Tal identidade, a médio-oriental, não implica a hegemonia de uma comunidade religiosa ou étnica sobre outra, nem tem a intenção de acabar com Estados ou Estados que virão a ser. É mais técnico e procedente do que ideológico, desenvolvimentista e construtivo na natureza do que destrutivo. Desse modo, nossas elites vão internalizar esse momento em suas consciências, assim como fizeram no fim do século XIX e começo do XX quando adotaram o arabismo cultural para substituir a coesão da obsoleta sociedade otomana?