O AK da Turquia pode ser banido?
A Turquia não é propriamente meu foco de estudos e análises, mas, como um país com 99% de sua população muçulmana, tendo sido sede do califado do Império Islâmico por quase 600 anos, tem importância para todos que estudam o mundo árabe e o Oriente Médio.
A Turquia é um país interessante. Destoa completamente de todos os países islâmicos. Desde a grande reforma feita em 1923 por Mustafá Kemal, conhecido como Ataturk (pai dos turcos), até 1938, ano de sua morte, ele implantou as mais profundas mudanças nesse país asiático. Ocidentalizou completamente a nação turca, passou a usar o alfabeto ocidental e garantiu a maior laicidade de um país islâmico. Todas as instituições foram completa e radicalmente separadas da Igreja, do Islã. E colocou o exército como o maior e mais fiel guardião dessa reforma. Tanto isso é verdade, que nesses 85 anos que completarão este ano da implantação da moderna Turquia, o exército teve que intervir em pelo menos quatro ocasiões, perpetrando golpes de estado. Foram elas em 1960, a primeira vez, seguidas de 1971, 1980 e a última em 1997.
Hoje, o partido que governa a Turquia já há alguns anos é o Partido Justiça e Desenvolvimento, cuja sigla é AKP, do atual primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, que detém a maioria esmagadora dos deputados no parlamento turco (340 de um total de 560 membros, ou 60,7%). Essa maioria permitiu que, pela primeira vez em décadas, o presidente do país, um cargo decorativo, fosse do mesmo partido do primeiro-ministro, que é o atual Abdulláh Gul.
A voz corrente no país é que o é AKP islâmico, ainda que moderado, e estaria com planos de restabelecer no país a volta de uma teocracia, ainda que moderada. Isso contraria os princípios da constituição e vem gerando desconfiança forte nos quadros e na alta oficialidade do exército. A prova disso teria sido a recente tentativa de derrubar a proibição do uso do véu islâmico por estudantes nas Universidades turcas, que vigorava desde 1989. A tentativa de mudança ocorreu em fevereiro passado, foi vencedora no parlamento, mas o Tribunal Constitucional derrubou a medida, garantindo a proibição do véu em Universidades.
A Turquia é o único país da Ásia a integrar a chamada Aliança Atlântica, a OTAN, organismo militar da época da Guerra Fria, formado após a 2ª Guerra Mundial para manter certo equilíbrio de forças militares no teatro de guerra da Europa. O grande sonho da Turquia é integrar a União Européia. Desde 1995, quando Samuel Hungtinton escreveu o seu famoso “Choque de Civilizações”, ele dizia que na prática a Turquia fazia um jogo errado, virando as suas costas às suas tradições e ao seu povo, modificava-se com o intuito de integrar um continente – o europeu – a que não pertencia. Isso é ainda fortemente sentido, ainda que tenha hoje conteúdo mais econômico do que cultural.
No final de semana passada, um grande atentado em Istambul deixou 17 mortos e mais de 150 feridos. A coincidência política é que no início desta semana o Tribunal Constitucional da Turquia retomou o julgamento de uma representação da Procuradoria da República que pede o registro do partido AKP e de todos os seus deputados e dirigentes. Se isso ocorrer mesmo, a cassação for deferida, uma verdadeira crise política e institucional vai se abater sobre o país, pois todos os seus dirigentes ficariam inelegíveis por cinco anos, incluindo o primeiro-ministro, o presidente e todos os deputados. Abriria um vácuo de poder nunca antes visto. As eleições que deveriam ocorrer somente em 2011, aconteceriam imediatamente e outros partidos, sem a mesma popularidade que o AKP, sairiam na frente na disputa. Um final imprevisível.
* O texto acima é uma adaptação de artigo publicado originalmente no vermelho.org.br