Poética circular - Muáchaha dos olhos lânguidos
CONTAM QUE... muáchaha é um estilo de poema típico do Alandaluz, em que o poeta busca reproduzir sons circulares. É quase um canto tal é o efeito anelar da sonoridade do poema em árabe. O tema, em geral, é o da paixão não correspondida, o abandono, a indiferença: “A amada do poema árabe permanece inacessível mas no momento em que se tira o véu, é transformada em sol ou lua, é transfigurada e arrebatada cosmicamente” (Titus Burckhardt). Quem compôs o poema abaixo foi um poeta cego, conhecido como Al-Tutili, o cego de Tudela. Considerado um dos melhores autores de muáchahas, viveu na taifa de Sevilha no século XII, participava de concursos poéticos e seria, quem sabe, um dos animadores dos dîwâns sevilhanos. (introdução de Lelia Maria Romero)
MUÁCHAHA DOS OLHOS LÂNGUIDOS
Por Al-Tutili
Será que será meu, esse cervo que tem
Rosa adornada entre curvas de serpente?
Mesmo se os seus olhos lânguidos me ferem
hei de encontrar no talhe do corpo galhardo
alegria, se a sorte estiver do meu lado.
Deixei a seus pés a minha face rendida
Mas ela cresceu em seu orgulho e malícia
E me disse, e em meu rosto lágrima corria:
“Me diz onde aprendeste este amor extremado?”
E eu disse: “Os teus olhos são meu professorado”.
E ainda me disse, e me deixou sem ação:
- Chega de culpar meus olhos, muda a razão!”
E eu lhe disse: “Mha senhor não te ofendas não,
Se não queres, juro não falo mais de agravos
- virei muçulmano, não fala mais o mago.”
Tu bates os cervos com esses olhos lânguidos
E fulminas as virgens do Éden esplêndidas
E saturas a luz com teus olhares cândidos
Amar-te é ter secreto amor, e eu não o espalho,
Não o revelo ao mundo e o levo bem guardado.
Que ser mais belo Deus fez existir na terra!
Meu coração te segue e tu nem mesmo acenas.
Chora aturdido, ouve-o quando se lamenta:
“me diz quanto agüento a ausência não estando
ai da enamorada se não estás tu”.
(tradução do árabe de Michel Sleiman)