“Estado-nação”: nove minutos de tirar o fôlego

Sex, 12/09/2014 - 09:14
Por conta da 9ª Mostra Árabe de Cinema, que começou em São Paulo em agosto e que vai até o dia 16 de setembro, tive acesso ao curta-metragem “Estado-nação” (Nation State), da cineasta palestina Larissa Sansour. O filme teve a primeira exibição antes do ótimo longa metragem “Omar”. No curta, com duração de nove minutos, a diretora e roteirista provoca o espectador com a visualização de uma ideia para solução dos conflitos vividos na Palestina. Uma ideia que parece se basear em acordos, tratados e anseios de órgãos internacionais: um fictício Estado Palestino instalado numa torre gigante, aos moldes dos arranha-céus americanos, copiados inclusive pela arquitetura excêntrica de Dubai. Tudo high tech. Um Estado Palestino verticalizado, onde cada cidade tem seu próprio andar: 4o. Jerusalém; 5o. Ramallah; 6º. Nablus, 7º. Gaza, 12º. Belém, e assim por diante. O espectador é conduzido pela própria cineasta por esse world tower palestino. Larissa adentra sua ideia futurista por um saguão luxuoso, cool e clean, passa por um andar para liberar seu card de identidade palestina - via leitor de íris - e toma elevador rumo ao seu destino. Nesse inicial trajeto, nenhum outro transeunte. Povoamento quase zero, se não fosse  pela presença de mais duas pessoas no elevador. Aparentemente dois palestinos robotizados. Nada de diálogos ali, nem calor humano.  Esses poucos palestinos aparecem em trajes padronizados e com postura formal silenciosa. Ou seria silenciada? Um silêncio que só é interrompido por uma voz de chamada em aeroporto que, em cada andar, anuncia os atrativos daquela seção. Em Gaza, por exemplo, você pode comer o melhor sushi do mediterrâneo! Mas, naquele elevador, ninguém parece se empolgar com os atrativos. Secaram seus ânimos e vontades. Da identidade árabe parece ter restado poucos signos, como o da bandeira da Palestina no card de identidade ou a reprodução, em cada andar, de locais palestinos emblemáticos. Larissa desce em Belém, que fica nas alturas! Belém é a origem dela e seu destino no Nation State. Por Belém, ela transita com uma mala e chega ao seu lar. Um apartamento no mesmo estilo cool e ladrilhado, onde cultiva como planta ornamental uma oliveira. Sim! A árvore milenar, símbolo cultural, religioso e econômico do povo palestino, que ali vira mera planta ornamental. Quase um bonsai! E desse espaço casa, conseguimos ver, através da imensa janela de vidro,  uma paisagem distante com alguns pontos de explosões.

Talvez algum conflito com resistentes, ditos terroristas. Mas, nada atinge o Nation State: nem o som, nem o sentimento. Tudo ali foi feito pra silenciar e entrar nos padrões de qualidade da modernidade e de um Estado-Nação propriamente dito. Até a comida árabe tradicional, um patrimônio cultural, no Nation State aparece estocada em pequenas latas vermelhas que lembram embalagens de primeiros-socorros. Tudo pronto para ser digerido com garfo, faca e silêncio; para atender aos acordos em nome da paz., talvez. Uma paz com liberdade monitorada e condicionada a um território imposto, por isso verticalizado. Onde a suntuosidade oferecida oprime a dignidade de um povo.

E no final? Não contarei o final, claro. Mas, Larissa nos surpreende com vida naquela aparente esterilidade. E sem perder de vista sua terra, que também é Santa: Jerusalém.

Nation State são nove minutos de tirar o fôlego do espectador! Um pequeno grande filme que desperta inquietações.  Por isso, saindo da sala de exibição, fiquei tão impactada com a grandiosidade do curta que procurei saber mais sobre Larissa e esse trabalho. Encontrei algumas matérias na internet dando conta que esse projeto foi criado para o Lacoste  ElyséePrize 2011, onde artistas tiveram liberdade para produzir imagens sobre o tema “felicidade”. Larissa foi indicada como finalista desse evento, com seu Nation State. Mas, logo após o resultado, a Lacoste revogou a decisão alegando o tom extremo politico e pró-palestino da cineasta. Censura à ideia de felicidade de Larissa! Uma palestina que ousou criar uma estética futurista aos planos estrangeiros de pacificidade para o povo Palestino: padronização e silêncio num condomínio fechado para refugiados. Onde? Lá nas alturas!

Daniela Cabanellas Zannini é advogada de Direitos Humanos.

Artigos assinados são responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do ICArabe.

 

Última exibição do filme

O filme “Estado-nação” terá sua última exibição no dia 16/9, às 19h, no Centro cultural São Paulo - CCSP,  com debate após a exibição. Veja mais em http://www.icarabe.org/noticias/ultimos-dias-da-9a-mostra-mundo-arabe-de-cinema-tem-debates-sobre

Título original: Nation State

Palestina e Dinamarca | 2012 | 9 min.

Gênero: Ficção. Curta-metragem

Direção: Larissa Sansour

Idioma: Árabe e inglês com legendas em português

Sinopse: Combinando um cenário digital, atores reais e trilha sonora eletrônica de inspiração árabe, o filme é uma fantasia sobre uma "solução vertical" para a questão palestina, ao dar ao país a forma de um único e imenso arranha-céu, chamado de Estado-Nação. Nele, cada cidade tem seu próprio andar e os elevadores funcionam como postos de controle. Inédito no Brasil.

Sobre o diretor

Larissa Sansour nasceu em Jerusalém e cursou várias escolas de artes em Copenhague, Londres e Nova York. Desenvolve um trabalho artístico interdisciplinar, utilizando fotografia, vídeo, instalação, livros e internet.