Professor da Unifesp pesquisa arte islâmica no Louvre

Qui, 11/06/2015 - 22:14
O Museu do Louvre, em Paris, tem um dos maiores e mais importantes acervos de arte islâmica do mundo. Tem uma ala inteira, inaugurada em 2012, só para estes objetos. Recebe professores e pesquisadores de todas as origens interessados em ter acesso a esta coleção para estudá-la e aprofundar seus conhecimentos. No fim de 2014, o professor Jamil Ibrahim Iskandar, libanês de 66 anos que vive no Brasil desde os 10 anos, teve a oportunidade de conhecer detalhes do acervo.

Iskandar é professor de Filosofia Medieval Árabe na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desde 2009 e no ano passado foi convidado pela diretora do Departamento de Islã e Arte Islâmica do Louvre a aprofundar seus estudos na instituição francesa.

Nos três meses em que teve livre acesso ao acervo e à biblioteca do Louvre, Iskandar pesquisou e conheceu manuscritos raros, cerâmicas, tapetes, arte em madeira, em metal e caligrafia. “Tive a oportunidade de ver a influência da religião na produção de arte e filosofia por meio da caligrafia, que é a arte de tornar belas as palavras divinas”, afirma Iskandar. O islamismo não reverencia imagens de santos ou profetas. Então, a caligrafia, que transmite os ensinamentos do Alcorão e os valores do Islã, se tornou uma forma de expressão artística árabe.

“Eles escreviam as palavras do islã de formas muito diferentes e desenvolveram isso. Outras expressões artísticas estão nos desenhos de flores, de arabescos e uso das cores, por exemplo. Eles queriam que os instrumentos da religião fossem mostrados de forma exuberante devida à exuberância do próprio criador”, diz o professor.

Iskandar observa, por exemplo, uma edição do Alcorão do século 10 em que as margens das páginas foram adornadas com desenhos florais antes que o texto fosse ali incluído. A partir deste desejo de tornar belas as palavras e, assim, a representação de Deus, surgiram escolas e técnicas artísticas.

Essa evolução e representação da arte islâmica é, segundo o professor, a característica que diferencia o acervo do Museu do Louvre. “Ele (acervo) se destaca pela quantidade e diversidade de obras e épocas, e também por sua organização. Lá há azulejos, madeiras, tapeçaria, metais. Eles mostram, na área expositiva, a expansão do império islâmico desde o século 06 até as últimas conquistas, o que ajuda o visitante a compreender o contexto histórico e a inserção dos objetos expostos”, afirma. Há, segundo o pesquisador, três mil objetos expostos e dois mil na reserva do museu.

Lacuna histórica

A filosofia árabe é o foco dos estudos de Iskandar desde os 15 anos. Quando chegou ao Ensino Médio, sentiu falta da história e do pensamento árabes nas aulas de história. “Notei que havia uma lacuna, que a história ‘pulava’ os árabes. Passei a estudar por conta própria. Nunca fugi da filosofia árabe no meu mestrado, no doutorado, nem no pós-doutorado”, diz.

Desde 2009, Iskandar dá aulas na Unifesp. Entre seus alunos, há doutorandos, mestrandos e aproximadamente 70 estudantes da graduação que escolhem as aulas de filosofia árabe entre as disciplinas eletivas.

As aulas na Unifesp, Iskandar pretende aprofundar seus estudos e, se possível, voltar a pesquisar no Louvre. Ele tem interesse especial pela tradução e encontrou manuscritos que se relacionam justamente à sua área de pesquisa: a filosofia árabe.

Entre todos os objetos que ele pesquisou e observou entre outubro de 2014 e janeiro de 2015, período em que ficou em Paris, Iskandar destaca dois: um manuscrito do historiador e teólogo Ibn Khaldun (que viveu entre 1332 e 1406) e folhas das primeiras edições do Alcorão, que datam do século oito. Antes de colocar o novo projeto em prática, ele deverá encerrar a tradução do árabe para o português de uma obra de Avicena: “A física”, projeto que deverá levar cerca de dois anos para que suas 600 páginas sejam traduzidas.