"Eu ainda acredito que o Líbano seja culturalmente 'esquizofrênico'”

Seg, 12/03/2007 - 00:00
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No dia 13, próxima terça, o Icarabe e o Cine Santander de Porto Alegre oferecem a mostra "Mundo Árabe". Entre os destaques, o filme "Beirute Ocidental", do libanês Ziad Doueiri. Leia a entrevista do diretor ao Icarabe feita por email, na qual ele fala sobre a produção de "Beirute...", a sociedade libanesa e sua visão da atual situação do país. Icarabe: Você acredita que haja alguma característica – no conteúdo ou na forma – que seja comum a todos os diretores árabes, mesmo que sejam de diferentes países, como Líbano e Egito? Ou cada país tem uma forma muito própria de fazer filmes? Ziad Doueiri: Cada país tem, de alguma forma, suas próprias vozes, seus próprios métodos, mas ainda assim, há pontos em comum já que esses países dividem a mesma história, as mesmas referencias políticas, a mesma religião e, especialmente, a mesma herança. Os problemas encontrados no Líbano são similares aos que alguém possa encontrar na Argélia, por exemplo. E, claro, de muitas formas, a questão palestina colocou junto todos os países árabes. Icarabe: Em “Beirute Ocidental”, há uma tentativa de revelar os dramas da guerra civil libanesa, mas através dos olhos de crianças. Por que fez essa escolha? Doueiri: A Guerra civil começou quando eu tinha 12 anos, e saí para os Estados Unidos quando tinha 20 anos sem retornar por 14 anos. Fiz essa escolha simplesmente porque lembrava dessa parte de minha infância e da minha adolescência durante a guerra. Icarabe: No começo do filme, Tarek brinca e ironiza com sua professora e com a educação francesa que recebe. Aqui, o assunto é o colonialismo. Em outro momento, quando o pai está se barbeando, o menino faz uma brincadeira sobre ser um árabe: “Sou fenício, não um árabe”, ele diz. Aqui, os conflitos internos da sociedade libanesa. Um filme sobre o Líbano deve passar por esses assuntos? A identidade libanesa teria nesses dois aspectos suas questões centrais? Doueiri: O núcleo da sociedade libanesa é extremamente complexo; seria impossível resumi-la em poucas palavras. O Líbano tem aspectos específicos de si comparado a outros países árabes; ali há 17 religiões, e cada uma delas está representada de forma única e delicada. O Líbano tem sido influenciado pelas culturas francesa, americana e árabe. É um amálgama de todas essas, o ‘by-product’ de uma civilização ocidental-oriental, um ‘cross-world’ entre as duas. Algumas vezes essas diversidade é uma benção, outras vezes é um inferno. Eu ainda acredito que o Líbano seja culturalmente “esquizofrênico”. Ele quer ser libanês, mas ao mesmo tempo ele tem aspirações a ser um pouco de tudo que o cerca – francês, ocidental, árabe, muçulmano, cristão, persa ... Talvez um dia, nós cheguemos a um entendimento de que nós possamos ser tudo isso sem ter que matar para isso. Talvez apenas aceitar o pluralismo cultural. Ou, talvez eu seja inocente, talvez nossas diferenças jamais possam ser conciliadas. Icarabe: Qual sua experiência da guerra civil? Doueiri: A experiência é muito parecida com o que é visto no filme. Como adolescente, queria viver como se nada estivesse acontecendo. Quer dizer que eu era 'insouciant', apenas estava preocupado em me divertir, ouvir música e, especialmente, me apaixonar. Não me recordo de ser dramático, especialmente no início da guerra. Para mim, era um dia no abrigo e outro na sala de cinema. Foi apenas depois da invasão israelense que eu comecei a tornar-me consciente da tragédia; e de minha própria vulnerabilidade. E, também, estava ficando mais velho. Icarabe: Há partes documentais no filme, com trechos de eventos reais. Qual sua idéia? Doueiri: Um estilo visual. As imagens de documentário foram inseridas porque eu queria ‘sum up’ a vida dos personagens, mostrar onde eles estavam neste conflito. Afinal, o fundo da história foi a guerra. Icarabe: Como você enxerga para situações recentes no Líbano? Se pudesse fazer um novo filme ou pelo menos imaginar seus personagens em novas situações, onde eles estariam? Doueiri: Eu nunca quis escolher um lado no conflito. Em “Beirute Ocidental”, tentei estar no meio para mostrar a guerra de uma perspectiva dos mais novos. Hoje, se tivesse que escrever sobre eventos atuais, definitivamente escolheria um lado, e este seria o de oposição ao Hezbollah. Em 2000, quando o Hezbollah forçou os israelenses a deixar o Líbano, deixei os Estados Unidos apenas para ver a retirada. Para mim, o Hezbollah representava um profundo orgulho, uma verdadeira vitória que nunca foi conquistada em qualquer país árabe desde 1948. O Hezbollah era para mim um motivo de profundo orgulho. Mas, agora, eles defendem a Síria e aliar-se ao Irã vai contra tudo que eu acredito, que é no secularismo, separação de Estado e religião, contra a imposição do hijab, e especialmente defendendo uma ditadura contra a Síria. A última guerra no Líbano fez a mim, e muitos outros, perder a ilusão de muitas formas neste país. Eu acho que, moralmente, o Hezbollah perdeu.