Um olhar iraquiano sobre Bagdá
Escritor e diretor de cinema, ele fala a respeito de seu filme “Sobre Bagdá” - em exibição na 4ª Mostra Mundo Árabe de Cinema-, faz uma reflexão sobre a situação do Iraque e opina acerca da forma como a cultura árabe vem sendo impactada pelas guerras e conflitos no Oriente Médio.
O que você pensou quando deixou seu país, em 1991? Apesar de eu querer deixá-lo, pois era contra Saddam e queria ter liberdade para escrever, eu também estava muito triste em deixar familiares e amigos. Chorei porque sabia que levaria muito tempo para voltar e também porque tinha o sentimento de que o país mudaria tanto que, na realidade, eu o estava deixando para sempre. Como você foi recebido nos Estados Unidos? As pessoas em geral são boas, mas enfrentei visões estereotipadas e era comum ouvir perguntas como: “por que você ama Saddam?”. Os estadunidenses pensam que todos os iraquianos o amam. Quando critico a política externa norte-americana eles ficam bravos e alguns me mandam voltar para o Iraque. Quando isto ocorre eu responde que os Estados Unidos destruíram meu país e que por isto não posso mais viver lá. Quando foi que você se envolveu com cinema e por que? Todo mundo sonha em fazer um filme! Eu sempre quis, mas não tinha dinheiro nem tempo. Fiquei muito frustrado antes desta última guerra no Iraque e a forma como meu país estava sendo representado nos principais veículos de comunicação dos Estados Unidos. Eu quis trazer as vozes dos iraquianos e a sua diversidade para o filme. Quis que contassem suas histórias de sofrimento sob a ditadura e também sob a ocupação norte-americana. E é esta a mensagem que você quis passar com seu filme “Sobre Bagda”? Sim. Procurei ouvir as histórias de iraquianos de diferentes procedências e classes sociais para mostrar ao mundo que são pessoas complexas, como todos os seres humanos. Eles não pensam todos da mesma maneira e suas vidas vão além de Saddam X Estados Unidos. Por que você voltou ao Iraque apenas uma vez após 1991? Hoje eu moro e trabalho nos Estados Unidos, tenho meus compromissos. Além disto, a situação da segurança no Iraque desde 2003 é terrível. Há uma guerra civil e milhares de pessoas têm sido mortas. Três milhões de habitantes já deixaram o país desde a ocupação e hoje eles vivem refugiados. A ocupação gerou muita corrupção e está usando a religião e as diferenças étnicas como arma política para dividir as pessoas. Isto está sufocando o país e está custando a vida de milhares de pessoas. Por que todos pensaram que a ocupação seria ser boa? Isto é vida real e não Holywood. Como você vê o Iraque da sua infância e juventude e como o vê hoje? É muito triste. O que tem acontecido no país desde 2003 o destruiu completamente. Não que antes estivesse maravilhoso. Havia uma ditadura e faltava liberdade, mas a sociedade era estável, segura, havia ordem, sistema de saúde e outros serviços. Nunca gostei de Saddam, mas sinto pena pelas crianças que estão crescendo no Iraque de hoje. Elas não podem andar ou brincar nas ruas por causa do perigo. Existem atualmente no país um milhão de viúvas. Como era o Iraque no qual você cresceu? Era uma ditadura, mas era um país secular, no qual a religião não interferia na política. Não havia sectarismo religioso. Tínhamos água, eletricidade (hoje as pessoas só têm direito a seis horas de energia elétrica por dia) e excelente educação. Cresci brincando com meus amigos muçulmanos, sendo que venho de uma família cristã. Agora tem havido uma limpeza étnica, existem paredes separando bairros e as pessoas estão sendo assassinadas porque são diferentes. Do que você mais sente saudades? O que sinto falta não existe mais: a companhia de amigos e das pessoas queridas, andar em paz pelas ruas em Al-Karrada e ver belas estátuas. Andas ao longo do rio, beber com meus colegas da faculdade! Nada disto é possível hoje e quase todas as pessoas que conhecia se mudaram para outros países. E agora que as tropas norte-americana parecem estar deixando o Iraque, o que você acha que vai acontecer com a política e com o sentimento das pessoas? Os Estados Unidos destruíram o Iraque e suas instituições e agora estão deixando o país sem repor um sistema de Estado. Além disto, os norte-americanos não estão indo embora de fato. Eles terão bases no Iraque por muitos anos, para garantirem o acesso das companhias estadunidenses ao petróleo. Eles estão deixando as cidade e não o país todo. A maioria dos iraquianos quer eles fora, então deveriam ir. A história dos últimos duzentos anos nos mostram que seres humanos não gostam de ficar sob ocupação de estrangeiros e esta deve acabar mais cedo ou mais tarde no Iraque. Como você acha que os conflitos e guerras no Oriente Médio estão impactando a cultura árabe? Ao mesmo tempo em que há um interesse na cultura árabe pelo ocidente, infelizmente, na maioria das vezes, ela está sendo vista apenas através do prisma da violência e do terror. Não deveria ser assim, pois a cultura representa tudo relativo a vida de seu povo e não deve ser considerada a origem da violência no mundo árabe. As guerras e crises têm colocado artistas e escritores a pensarem, debaterem e questionarem em suas obras o que está ocorrendo ao seu redor. Tremores políticos e conflitos geralmente provocam a arte e a cultura e é isto que está ocorrendo no mundo árabe. Quais são seus próximos passos no cinema? Estou trabalhando com um colega em um filme sobre o poeta iraquiano Saadi Youssef. O que você achou da iniciativa do Instituto da Cultura Árabe dedicar uma programação especial a filmes iraquianos? Achei excelente. Vivemos em um mundo globalizado e estamos ligados pela tecnologia, mas ainda sabemos muito pouco sobre outras culturas. O Iraque é muito mais do que as notícias de violências que saem nos jornais. Nele vivem pessoas multidimensionais, com vidas, desejos e memórias.