“Se os palestinos existem hoje é porque eles resistem”, diz Soraya Misleh, diretora do ICArabe, em lançamento de seu livro em São Paulo
Nesta quinta, 8 de junho, a jornalista palestino-brasileira Soraya Misleh, diretora de Comunicação e Imprensa do ICArabe, lançou o seu livro “Al Nakba – um estudo sobre a catástrofe palestina”. O evento ocorreu no Teatro Tuca, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, durante o III Salão do Livro Político, na mesa de debate “Guerras globais, refugiados locais”.
Publicado pela editora Sundermann, a obra é fruto da dissertação de Mestrado da jornalista. Além de trazer uma contextualização do movimento político sionista que originou a limpeza étnica da Palestina e a criação do Estado de Israel, apresenta também um componente afetivo. É uma homenagem ao pai (um dos três personagens do livro), e um dos 800 mil palestinos expulsos de suas terras – a Aldeia Cacum, em 1948 (foram mais de 500 destruídas na época da ocupação), aos 13 anos de idade, que encontrou refúgio no Brasil. O trabalho homenageia também, conforme Soraya Misleh, por meio das vozes que dão vida à narrativa e “que são invisibilizadas cotidianamente, o povo palestino”.
Para a jornalista, publicar essas memórias "é parte da resistência, de mantê-las vivas, de não deixar que esqueçam e para que apoiemos as campanhas de solidariedade internacional – como o boicote a Israel -, para mostrar nosso apoio à resistência heroica dos palestinos. Se eles existem hoje é porque resistem”, destacou a autora.
“Meu pai me ensinou o que era ser palestino, as histórias que ele contava me trouxeram o sentimento de pertencimento”, contou Soraya, lembrando que hoje existem mais de 5 milhões de refugiados pelo mundo. “Mas eles sabem que são e continuarão a ser palestinos, e vão continuar a contar suas histórias até que possam voltar para a Palestina”, disse.
60 anos de ocupação
Soraya lembrou aos presentes que nesta semana completam-se 60 anos da ocupação militar de Israel, que aconteceu entre 5 e 10 de junho de 1957 – a chamada guerra dos seis dias -, sobre os 22% restantes dos territórios palestinos: Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental. “Mas essa história começou bem antes, há 69 anos, com a Nakba".
"Há um sentimento de abandono pela comunidade internacional, que é responsável pela Nakba e pela continuidade dela”, frisou. “O livro é para conscientizar e dizer que há uma parcela que quer lutar e mostrar essas vozes”, salientou Soraya, que ainda ressaltou que é muito significativo ter portas abertas para esse tipo de publicação. “Trazer as experiências, parte da memória palestina enriquece o nosso conhecimento. A questão palestina extrapola os limites da academia. É importante fazer o reconhecimento histórico devido para transformar a realidade e contribuir com a sociedade”, enfatizou.
E finalizou com um pensamento de Edward Said (intelectual palestino que é a inspiração para a criação do Instituto da Cultura Árabe): “a cada palestino que você silencia, outros dez se levantam e levantam suas vozes. O livro dá vozes a esses palestinos. Vamos continuar a contar suas histórias, até que a palestina seja livre”.
Opinião
O lançamento foi marcado pelo debate sobre o tema “Guerras globais – refugiados locais”. Além de Soraya Misleh, participaram também da mesa o doutor em literatura alemã Tercio Redondo, o jornalista refugiado congolês Christo Kamanda, o refugiado palestino Isam Ahmad Issa, que participou do filme “Era o Hotel Cambridge”, lançado recentemente no Brasil e Reginaldo Nasser, chefe do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP, que participou da Banca de Dissertação de Soraya Misleh, para quem a proposta do livro congrega dois pontos: um elemento geral da política regional do Oriente Médio e a política internacional.
“A questão palestina envolve uma questão internacional e a Soraya alia isso tratando da comunidade. Então, há uma articulação entre a trajetória de pessoas, das narrativas e das memórias, ao mesmo tempo em que explana uma dimensão mais macro da política internacional, que é a criação do Estado de Israel e a expulsão dos palestinos”, avaliou Nasser. “Ela foca em determinada comunidade onde viveu seu pai e tem um lado afetivo muito forte, mas sem perder a objetividade da análise que faz. Acredito que o livro é bem-vindo não só para o Brasil, mas acho que mereceria depois pensar na tradução”, concluiu.