Uma introdução à civilização árabe-islâmica clássica

Qui, 19/09/2013 - 23:27
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Lançado em junho pela editora Civilização Brasileira, “O mundo falava árabe” é resultado da tese de doutorado de Beatriz Bissio. A obra nasceu de uma imersão profunda nas questões relativas ao Oriente Médio que, até agora, nenhum outro historiador conseguiu trazer à luz com tal clareza quanto a autora, como ressalta no prefácio da obra o professor Mamede Mustafá Jarouche, titular da cadeira de Árabe na USP e tradutor para o português dos quatro volumes do consagrado “Livro das mil e uma noites”, pelo qual recebeu o Prêmio Jabuti por duas vezes. “São poucos os historiadores, críticos literários, sociólogos, estudiosos de filosofia, enfim, de qualquer área das humanidades, que… se dedicam ao estudo propriamente dito do Oriente Médio, da civilização árabe, com sua cultura milenar e fundamental para a história da humanidade em quase todos os seus aspectos”, escreve Jarouche.

A partir do cruzamento dos textos de dois autores do século 14, Ibn Khaldun e Ibn Battuta, a autora procura traçar o diagrama da civilização árabe-islâmica. “Neles, como explica o professor, (ela) encontra os elementos característicos do autêntico amálgama cultural operado pelos árabes, ou, por outra, pelos discursos e textos em língua árabe: um mundo no qual se procurou reunir tudo quanto de relevante a cultura humana havia produzido até então…”.

Nascida no Uruguai e brasileira naturalizada, Beatriz foi diretora e uma das fundadoras da revista “Caderno do Terceiro Mundo”, Prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo pelo conjunto da obra - criada na Argentina, em 1974, por jornalistas de diferentes nacionalidades que lutavam contra os regimes autoritários de seus países. A publicação, que circulou durante 31 anos, tinha como foco a política internacional, priorizando a cobertura da América Latina, da África e da Ásia.

Neste cenário, a jornalista cobriu durante vários anos conflitos no Oriente Médios como a guerra do Líbano, a luta dos palestinos pela criação de seu Estado, a situação nos territórios ocupados na Cisjordânia e dos refugiados palestinos. Cobriu também o Iraque, Síria, Argélia, Egito e Líbia. A partir deste trabalho, segundo Beatriz, nasceu a vontade de realizar um projeto relacionado ao mundo árabe e sua complexa realidade. “Fiquei fascinada pela cultura árabe. Foi um encantamento que sempre me acompanhou desde as primeiras viagens ao Oriente Médio no final dos anos 70. A história ajuda muito a entender o momento atual e queria aprofundar esses conhecimentos”.
 
A realização do projeto tornou-se possível com o fim da revista em 2005, que deixou de circular devido, principalmente, a problemas financeiros. Com isso, Beatriz decidiu dedicar-se ao doutorado (ela é doutora em História pela Universidade Federal Fluminense - UFF). “Queria estudar a cultura árabe, mergulhar nela a partir de sua história, através de autores daquela região.” A sugestão dos nomes veio de sua orientadora. O título do livro nasceu da própria pesquisa. Na Idade Média, ela conta, durante muitos séculos, a grande referência civilizatória no Oriente era a língua erudita árabe, que atravessou o Atlântico e se difundiu também pelo Ocidente. “Naquela época o mundo falava árabe. As populações foram se islamizando e esta passou a ser língua franca das comunicações, das obras científicas que produziam conhecimento”.

Em suas coberturas nos países árabes, Beatriz destaca, dentre as várias entrevistas com lideres políticos e intelectuais, dirigentes e prefeitos palestinos, população civil e refugiados, as que realizou com o líder da autoridade palestiniana Yasser Arafat, em três momentos: quando a capital do Líbano foi bombardeada por Israel; na Tunísia, na ocasião em que Arafat foi expulso por Ariel Sharon e suas tropas; e no seu exílio na Argélia. De tudo que viu durante sua trajetória pelo Mundo Árabe, o que mais comove a jornalista é a causa da Palestina, seus problemas políticos, sociais e históricos. “Considero que uma das grandes dívidas que a ONU e que todas as nações do mundo têm é com o povo palestino.”

Sobre a revolução dos países árabes ainda em curso, Beatriz vê como uma etapa irreversível e de grande protagonismo das camadas sociais, de jovens, homens, mulheres e de grupos com perfis diferentes dos tradicionais, espontâneos, mas que ganham com a experiência das ruas, da repressão e estão amadurecendo. “É um processo muito rico, do qual as lições já estão ficando para quem está imerso. No longo prazo, são movimentos que nos levam para uma situação nova, muito mais próxima de um ideal de justiça, de participação, de respeito, de luta por direitos humanos, do que aquela situação congelada que estava antes.”