Embaixada do Líbano no Brasil repudia reportagem da TV Globo
A Embaixada do Líbano no Brasil manifesta o seu profundo repúdio ao teor da matéria intitulada “Mulheres são vistas como propriedade dos homens no Líbano”, veiculada no domingo, 29 de junho de 2014, no programa Fantástico da Rede Globo de Televisão.
Consternados e perplexos com a falta de veracidade e de precisão da reportagem, a Embaixada libanesa entende que o esboço jornalístico apresentado é repleto de contradições e de inconsistências históricas, culturais, sociais e jurídicas. O tom agressivo e desproporcional atenta, sobretudo, contra o princípio de liberdade de expressão.
Ao rotular a mulher libanesa de escrava, subserviente e de objeto de dominação ou propriedade dos homens e, ainda, vivendo sob costumes medievais, a matéria fere com profundeza a integridade, a honra e os princípios que norteiam o ordenamento social, religioso, jurídico e cultural do povo libanês. Ademais, a matéria colide frontalmente com o que costumeiramente se veicula nos principais meios de comunicação da mídia internacional, particularmente, no que tange aos avanços logrados pela sociedade libanesa no campo dos direitos humanos e, em especial, o do direito das mulheres. Rotular toda uma sociedade de retrograda e medieval baseado em depoimentos específicos e isolados contraria todos os princípios éticos e morais do bom jornalismo.
Em conformidade com o Código Civil libanês que a reportagem menciona, mas ignora seu conteúdo, confere direitos iguais a todos os seus cidadãos independente de cor, etnia, credo ou sexo. Portanto, agredir e abusar sexualmente das mulheres constitui no ordenamento jurídico, social e religioso no Líbano um crime hediondo e abominável. De acordo com o Código Civil libanês, inspirado no Código Civil francês, os agressores são sujeitos a todas as sanções legais. O Estado libanês e as instituições públicas são atuantes e combativas, ao contrário do que a matéria afirma ao mencionar que as mulheres não tem “a quem recorrer”.
O artigo 547 do Código Penal libanês pune, severamente, qualquer cidadão ao regime fechado de reclusão entre 15 a 20 anos se praticar assassinato. Em caso específico de violência doméstica seguida de morte, o regime fechado de reclusão é de 20 a 25 anos. Já O artigo 489, em seu escopo, refere-se a: “o homem ou a mulher que obrigar o seu cônjuge a praticar atos sexuais não consentidos ou forçados, será enquadrado nas normativas do Código Penal e será sancionado sob a adequada pena da lei”.
Com isso, entende-se que esse tipo de acusação é desprovido da devida responsabilidade e do caráter investigativo inerente a um jornalismo sério. Como signatários de diversos tratados internacionais sobre a proteção dos direitos da pessoa humana, o Líbano possui uma das legislações mais avançadas e progressistas no contexto regional.
O programa Fantástico da TV Globo, se qualificou ao longo de décadas, como uma revista virtual de qualidade e de respeito, mas, lamentavelmente, escapa à compreensão do Estado e da sociedade libanesa, os reais motivos que levaram o jornalista a produzir uma matéria que carece de plataforma estatística, metodológica, científica, histórica, jurídica, sociológica e antropológica para descrever o papel da mulher na sociedade libanesa.
O balizamento da produção jornalística, baseada em experiências lamentáveis ou através de narrativas vagas e incongruentes de vítimas de abuso e supressão de gênero, não representa a real conjuntura das mulheres no seio daquela sociedade. Portanto, é no mínimo injusto rotular toda uma sociedade como retrógrada e medieval consubstanciado apenas em depoimentos isolados. As nacionais brasileiras apresentadas na reportagem e que tem sofrido de abomináveis crimes e de violência doméstica, são apenas um ínfimo número de casos particulares se aqui compararmos ao universo de famílias libanesas-brasileiras bem constituídas e que vivem de forma honrada e feliz.
Na sociedade libanesa a prática de mutilação está longe de ser uma prática comum. A matéria demonstra confusão histórica e dessincronizada culturalmente ao abordar este assunto. Tal prática encontra arcabouço em determinadas comunidades tribais em outras regiões do mundo e não no Líbano como menciona a reportagem.
A matéria em nenhum momento procura esmiuçar, fora a infundada acusação, em quais circunstâncias ocorrem ações de segregação. Entretanto, em outras sociedades ao redor do mundo, a separação de gênero em lugares públicos e religiosos é muito bem compreendida como referente à prática cultural ou religiosa. Nesse contexto, o Líbano não pode sequer servir como parâmetro ou exemplo a ser mencionado. Basta percorrer todos os cantos do país para perceber que trata-se de uma sociedade absolutamente aberta, moderna, civilizada, desenvolvida e avançada culturalmente e intelectualmente.
Lamentavelmente, práticas repudiáveis como o exercício de maus tratos, tortura e estupros podem ocorrer em qualquer sociedade ao redor do globo. Contudo, a informação prestada pela reportagem não reflete à verdade ao imbuir em tom de cumplicidade as autoridades libanesas com tais crimes e ao afirmar, enganosamente, que são atos comuns e aceitáveis perante a população do Líbano.
Como um país multiconfessional que 18 grupos étnico-religiosos, a matéria aglutina todos os sectos dentro do mesmo parâmetro, o que demonstra clara falta de conhecimento sobre a realidade social do país. Tal ação representa um desrespeito gravíssimo ao rol das instâncias civis e religiosas. À exemplo da jurisprudência muçulmana e dos conselhos religiosos sunita, xiita e druso, as igrejas católica, maronita e ortodoxa sempre atuaram como alicerces norteadores do respeito à igualdade e à equidade de gênero.
Aceitar e escamotear crimes como os apresentados pela reportagem significa que a Igreja e a Mesquita coadunam com hediondos crimes. Ao atribuir a responsabilidade da violência às religiões cristã e muçulmana, a reportagem demonstra um profundo desrespeito aos valores e ensinamentos dessas duas sagradas fés. Os homens de fé, sacerdotes, padres, frades, bispos, xeiques e ulemás jamais admitiram, ensinaram ou consentiram com maus tratos, tortura, estupros, escravidão ou inferiorizarão de gênero. Para quem conhece, verdadeiramente, o cristianismo e o islamismo sabe que tais ações são contrárias a qualquer preceito religioso. As caluniosas afirmações da reportagem significam nada menos do que acusar a Igreja e Mesquita de estimularem a subjugação da mulher. Esse debate abre ainda espaço para inúmeras controvérsias, como por exemplo: as cidadãs de vários continentes que se casarem na Igreja/Mesquita (assim como no Líbano) também se tornariam propriedade do marido?
Ademais, a exigência legal a estrangeiros oriundos de zonas de risco de realizarem exames para se detectar doenças sexualmente transmissíveis encontra amparo nas normas das Organização Mundial da Saúde. Tais exigências existem em diversos países ditos civilizados, entre os quais o do continente Americano, que legalmente poderiam submeter imigrantes e estrangeiros a exames periódicos. No Líbano, essa prática faz parte de uma política de saúde pública séria e criteriosa para acompanhar e prestar assistência imediata aos portadores de doenças sexualmente transmissíveis (DST).
A reportagem foi negligente ao não buscar os números resultantes dessa política e não demonstrar o reduzido índice de pessoas infectadas por tais doenças, distorcendo a verdade e apresentando um ângulo sensacionalista.
Como um país multiconfessional, o Líbano é composto por variados grupos étnico-religiosos. Costumes e valores culturais podem variar de um grupo para outro, bem como de uma região para outra. Ao aglutinar todos os grupos étnico-religiosos em uma mesma categoria de padrão e de costumes, a reportagem do Fantástico, demonstrou um inequívoco despreparo jornalístico, sociológico e antropológico para lidar com a diversidade cultural e, especificamente, da questão de gênero no Líbano. Além disso, o Código Civil libanês segue sendo a referência legal e garante dos direitos das cidadãs libanesas para dirimir controvérsias e equacionar conflitos. A nova lei que regulamenta o regime de bens e de matrimônio confere às mulheres direitos inalienáveis e em consonância com as mais avançadas legislações do mundo ocidental. Para efeito de esclarecimento, os cidadãos libaneses poderão optar em casar-se apenas no regime civil não subordinando-se ao regime de matrimônio religioso.
Faz-se mister questionar os motivos que levaram a TV Globo a produzir uma matéria dessa natureza, especialmente, num país como Líbano, onde mais avança-se em termos legislativos e jurídicos quanto à implementação das normas internacionais dos direitos humanos, em paralelo, com os demais Estados que fazem parte daquela região. O Líbano é, inquestionavelmente, a sociedade multiconfessional mais aberta, integracionista e igualitária do Oriente Médio.
Ao pinçar casos isolados, de violência doméstica e de agressões à integridade física e da honra das mulheres libanesas, e transformá-los como o fio condutor das relações humanas e da organização familiar no Líbano, as autoridades jornalísticas da TV Globo demonstram uma profunda má fé e despreparo para tratar de assunto sensível e que tem merecido a plena atenção das autoridades do Estado libanês e da sociedade libanesa. Lamentavelmente, não resta outra forma interpretativa a tomar em consideração a não ser o de crer que o objetivo central da reportagem foi o de manchar propositalmente a imagem do Líbano e de seus descendentes no Brasil.
A TV globo esqueceu tudo sobre a aberta sociedade libanesa, o que fez de Beirute ser a Paris do Oriente ou o Líbano a Suíça do Oriente. A TV Globo esqueceu a reportagem da CNN que qualificou Beirute umas das cidades de melhor vida noturna, em 2013. A reportagem ignorou ou esqueceu de mencionar que as mulheres no Líbano são admiradas e invejadas, ao menos na região, por sua liberdade social e independência pessoal.
Dar publicidade a casos isolados de vítimas de violência doméstica – com o intuito de retratar o conjunto de valores de toda uma sociedade - é como um jornalista visitar o Brasil e retratar a questão da segurança do País a partir de uma briga de rua, de uma assalto na praia ou do tráfego de uma cidade, ignorando, desse modo, a grandeza do Brasil como uma excepcional nação e de seu progresso nos mais variados setores da sociedade.
A Embaixada do Líbano expressa o seu repúdio ao formato e ao conteúdo da matéria veiculada no programa Fantástico, face às palavras discriminatórias e xenófobas proferidas na reportagem e, lamenta, profundamente, que um dos maiores meios de comunicação do país tenha se prestado a fabricar trabalho inverídico e infundado.
Nesse cerne, faz se necessário chamar a atenção da TV Globo quanto a seriedade da reportagem e origem de suas informações. A Senhora Nadine Moussa, apresentada na reportagem como Deputada “que decidiu fazer dos direito da mulher a sua bandeira para concorrer a Presidência da República”, é uma advogada e ativista social. Contudo, a Senhora Nadine Moussa não é Deputada e nunca foi integrante do Parlamento libanês, contrariamente ao que menciona a reportagem. Essa informação é apenas mais um exemplo para demonstrar a falta de credibilidade e seriedade do trabalho. Esta é uma verdade verificável, bastaria ao interessado jogar duas palavras num buscador da internet.
Que um jornalista do maior grupo de mídia brasileiro, em princípio cioso de sua reputação como fonte de informações e bom jornalismo, cometa erro tão grosseiro ou se permita tamanha irresponsabilidade é mais do que suficiente para jogar uma terrível sombra de dúvida sobre o todo da reportagem, já que não se poderá saber o que mais ele pode ter fabricado, e para levantar uma dúvida real sobre as verdadeiras intenções de todo o esforço.
Ainda assim, o jornalista que foi incapaz de descobrir que sua entrevistada não fazia parte de uma lista bastante pública dos membros do parlamento do Líbano pretende nos oferecer, além de uma peça de jornalismo pretensamente investigativo, grandes conclusões sobre o funcionamento do Estado libanês e de sua sociedade, e sobretudo sobre o seu estágio civilizacional.
Ludibriar de forma tendenciosa os telespectadores constitui um crime contra a liberdade de imprensa, instrumento valioso e conquistado no Brasil com maciça contribuição de imigrantes libaneses e de brasileiros descendentes de libaneses. De acordo com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros Art. 2 paragrafo 1 “a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente de sua natureza...”.
Enfatiza-se, por oportuno, que substancial parte do vídeo e das imagens apresentadas na reportagem não são do território, região, cidade, rua, autoridades ou de pessoas do Líbano. Utilizar imagens de outras partes do mundo para fazer ilações ou alusões a fatos incorretos sobre o Líbano é enganar o telespectador.
É fundamental esclarecer que a mulher é considerada o alicerce da família libanesa e a guardiã dos valores morais, éticos, religiosos e sociais. Ademais, é forçoso salientar que as mulheres no Líbano ocupam importantes posições nas esferas pública e privada. As mulheres ocuparam e ocupam posições de destaque como Ministras de Estado, Parlamentares, Juízas, Embaixadoras e Oficiais Militares. As mulheres têm um papel fundamental e inquestionável na arte, cultura, cinema, literatura e música. Infelizmente, a reportagem ignorou todos os avanços e o papel da mulher no seio da nação libanesa. Teria sido mais útil, informativo e correto se a reportagem mostrasse a importante contribuição que as mulheres tem realizado no desenvolvimento e progresso do Líbano.
Por fim, espera-se da TV Globo uma inequívoca retratação, e espera-se uma correção de rumo em relação a este comportamento que traz prejuízo ao Líbano e que, entregando-se às piores práticas do jornalismo, faz um desserviço ao Brasil. Espera-se da Rede Globo, numa futura produção jornalística sobre o Líbano, um compromisso maior com jornalismo sério, isento, independente, transparente e democrático e com respeito ao contraditório, como instrumentos necessários e inalienáveis para a produção da verdade e do direito de informar.
Embaixada do Líbano em Brasília
Setor de imprensa e relações públicas
07 de julho de 2014