Mulheres com véu questionam modelo ocidental, diz Plinio Freire
“A gente (do ocidente) está no mundo da ostentação onde tem de se mostrar importante. São duas formas de visibilidade que juntas entram em curto-circuito”, afirmou Plinio sobre a utilização do adereço no oriente. “As mulheres (do mundo islâmico) quando se mostram veladas questionam o nosso modelo. Será que as mulheres denudadas estão livres mesmo?”, questionou.
O historiador refletiu sobre o mito de que o véu teria sido uma criação islâmica. “A arte greco-romana é sobrecarregada de figuras femininas veladas”, disse em relação a pinturas da cultura da qual o mundo ocidental é herdeiro. O uso do véu também é determinado pelo Novo Testamento da Bíblia cristã enquanto o Alcorão, por sua vez, coloca-o algumas vezes como recomendação. “O Islã não institui nada, o véu já estava lá (nos costumes), inclusive no ocidente. Estranho seria o Islã dizer que a partir de hoje não poderia usar véu”, afirmou.
Outra concepção equivocada em relação ao véu consiste em chamá-lo de burca, quando este é apenas um dos cinco tipos: hijab, burka, niqab, shayla e chador. “A imensa maioria das mulheres muçulmanas utilizam o hijab, que cobre o cabelo e deixa o rosto a mostra”. Já o niqab, segundo Freire, deixa os olhos das mulheres à mostra, muitas vezes pintados. A shayla e o chador são de origem persa, usados muito no Irã, e a burka é o véu que cobre o corpo inteiro, utilizadas em regiões que não representam todo o mundo islâmico, segundo Freire.
Orientalismo na arte
Plinio Freire também falou sobre o orientalismo na arte: a forma eurocêntrica como as mulheres do oriente eram representadas fora da realidade. “Essa moda que mostrava que a mulher oriental tinha predisposição à nudez”, disse em relação a pinturas da Era Moderna. “Tudo isso é o imaginário dos europeus, a fantasia dos homens que atravessaram o mediterrâneo e encontraram as mulheres veladas.”
De acordo com o historiador, há diferença na concepção de sensualidade nas culturas ocidental e oriental. “A gente não consegue ler mais os sinais eróticos, pois estamos saturados de pornografia”, afirma. O historiador declarou não entrar na questão da opressão da mulher na palestra, mas mostrar a concepção ocidental ao enxergar o uso do véu.
Para o documentarista Mauricio Yasbek, diretor do filme “Brimo”, exibido na Mostra Mundo Árabe de Cinema em 2015, que assistiu à palestra, a cultura oriental mostra uma percepção diferente da brasileira. “Quando vemos o véu, que preserva mais a personalidade daquela mulher do que o corpo e a sensualidade, podemos ver uma maneira diferente de interpretar a sensualidade. Traz de volta os gestos e a voz como se pudesse provocar outros encantos”, afirmou.
O estudante Pedro Mendes, 19, gostou do tema da palestra. “Sou bastante interessado pela cultura árabe. Gostei bastante da quebra de tabus, há muitos elementos comuns entre as culturas ocidental e oriental. A xenofobia não tem fundamentos”, afirmou.
"A palestra sobre o véu e o conflito da visibilidade foi mais uma gratificante iniciativa do Icarabe dentro do ciclo de palestras em parceria com a Livraria Martins Fontes”, ressalta Natalia Nahas Carneiro Maia Calfat, diretora de Relações Interncionais do ICArabe. Para ela, o encontro foi importante não somente para esclarecer os diferentes usos do véu dentro da cultura islâmica mas, sobretudo, para resgatar nossas próprias tradições veladas dos períodos clássico e renascentista. "A análise das pinturas e obras orientalistas encerraram a palestra trabalhando problemáticas sobre o Oriente Médio e Mundo Muçulmano ainda hoje presentes em nosso imaginário."
O Ciclo tem coordenação de Heloisa Abreu Dib Julien, secretária geral do ICArabe, com apoio de Natalia Nahas Carneiro Maia Calfat e outras duas diretoras do Instituto: Jamile Abou Nouh e Yasmin Fahs.
Confira as próximas palestras:
02/08, terça-feira, das 19h30 às 21h30
Cinema Árabe na atualidade - Geraldo Adriano Godoy de Campos, curador da Mostra Mundo Árabe de Cinema
03/08, quarta-feira, das 19h30 às 21h30
Desafios de correspondentes em zonas de guerra: coberturas no Oriente Médio – Samy Adghirni
Saiba mais sobre os próximos eventos aqui