Artigo: Aniversário de uma grande mentira
Aniversário, especifica mestre Antônio Houaiss (1915-1999) lexicógrafo, escritor, tradutor, diplomata, acadêmico, “diz-se de ou dia em que se completa um ou mais anos em que se deu determinado acontecimento” e tomamos a liberdade de acrescentar: quer seja o aniversário de uma verdade, de uma mentira ou de ambas.
Através do planeta estão sendo publicados artigos sobre a Guerra dos Seis Dias, que acaba de fazer o aniversário de 50 anos. A quase totalidade destes artigos dirá que Israel foi atacado por países árabes: Egito, Jordânia, Síria e Líbano. Ninguém, ou quase ninguém dirá a verdade, e o fato é que Israel preparou uma guerra e a executou a fim de ocupar a Faixa de Gaza, Jerusalém oriental e toda a Cisjordânia, além do Julan, também conhecido pelos árabes como Jabal al-Druz; (em árabe: Montanha dos Drusos) e as terras libanesas até o sul do Rio Litani.
Repete-se há cinquenta anos que estados árabes apoiados pelos demais que não participaram diretamente das batalhas atacaram o estado de Israel, mas ninguém falará de um dia inteiro, entre esses seis dias, quando em 8 de junho de 1967, o Liberty, um navio da Marinha dos Estados Unidos, uma unidade de espionagem eletrônica embarcada, armada de apenas algumas poucas metralhadoras, estava na costa do Mediterrâneo oriental, em águas internacionais, e descobriu tudo o que Israel fez e o que aconteceu em terra.
O ataque foi executado por ordem direta e clara do general Moshe Dayan (1915–1981), em termos inequívocos: “afundar o Libertye com ele toda a sua tripulação”. O soldado deixou para os políticos a solução dos problemas gerados. Estes indenizaram as famílias dos mortos e os sobreviventes e apresentaram desculpas pelo feito aos Estados Unidos. O que é prova de cinismo misturado com mentira.
A Secretaria de Estado dos Estados Unidos exigiu indenização pela perda do navio. No entanto, a explanação israelense foi aceita pelo governo estadunidense, que considerou o incidente como ‘fogo amigo’, e o assunto foi arquivado após troca de notas diplomáticas em 1987. Só que David Dean Rusk (1909-1994), então Secretário de Estado dos Estados Unidos e o então ocupante do mais alto posto da Marinha, Almirante Thomas Moorer (1912-2004), à época Chefe das Operações Navais, também recusou a versão dada pelo governo ao episódio. O Almirante Moorer se tornaria depois presidente da Junta dos Chefes dos Estados Maiores estadunidenses e, menos de um mês antes de sua morte, 37 anos após o acontecimento, publicou uma declaração afirmando “não aceitar a desculpa de Israel”. Alguns sobreviventes do ataque e oficiais de inteligência familiares com as transcrições dos sinais interceptados naquele dia rejeitaram estas conclusões por serem insatisfatórias e continuam mantendo opiniões de que o ataque foi feito com pleno conhecimento de que o navio era da Marinha dos Estados Unidos.
Algumas pessoas já escreveram a verdade. É o caso de alguns artigos que selecionamos – e às vezes resumimos – inclusive trechos principais foram publicados pela Global Research, do Canadá, constantes do artigo intitulado A Retrospective Account of Israeli Occupation – 50 Years and Counting (O relatório retrospectivo da ocupação israelense – 50 anos e continua a contagem) além de outras fontes e relatos.
O artigo da Global apresenta a iniciativa assim:
Em memória do ataque ao USS Liberty pela Força Aérea israelense, 50 anos atrás, introduzimos-lhes uma compilação de artigos cujos objetivos, de forma geral, é desmascarar a verdade sobre “o que realmente aconteceu em 1967”.
É o caso também de Philip Giraldi (nascido em 1946), formado pelas universidades de Chicago e Londres, especialista em inteligência, antigo funcionário da United States Central Intelligence Agency (CIA), especialista em contraterrorismo e inteligência militar, colunista famoso e comentarista de televisão, além de ser diretor executivo do Council for the National Interest, um grupo que advoga em favor de políticas mais imparciais pelo governo estadunidense no Oriente Médio.
O artigo de Giraldi não permite dúvidas, quando escreve:
Em 8 de junho de 1967, o USS Liberty, um navio de inteligência eletrônica da Marinha dos Estados Unidos viajando a 24 km ao largo de Arish bem fora das águas territoriais egípcias, foi atacado por jatos e torpedeiros israelenses, quase afundando o navio, matando 34 marinheiros e ferindo 171. Israel disse que o ataque foi um caso de identidade errônea e que o navio tinha sido mal identificado como sendo o navio egípcio El Quseir. Israel pediu desculpas pelo erro, pagou compensação às vítimas ou suas famílias, e aos Estados Unidos pela avaria do navio. Após uma investigação, os EUA aceitaram a explanação de que o incidente tinha sido ‘fogo amigo’ e o caso foi encerrado pela troca de notas diplomáticas em 1987. Outros, no entanto, não a aceitaram, incluindo o então Secretário de Estado dos Estados Unidos, Dean Rusk, e o então Chefe das Operações Navais da Marinha dos Estados Unidos, Almirante Thomas Moorer alguns sobreviventes do ataque e oficiais de inteligência familiares com as transcrições dos sinais interceptados naquele dia, rejeitaram estas conclusões por serem insatisfatórias e continuam mantendo opiniões de que o ataque foi feito com pleno conhecimento de que o navio era da Marinha dos Estados Unidos.
Giraldi não deixa por menos e conta a verdade maior que supera a grande mentira, quando escreve, sem rodeios, e a História o confirma:
A parte mais repugnante do acontecimento relata como os aviões de guerra [estadunidenses] enviados de um porta-aviões presente no Mediterrâneo foram chamados de volta [para a sua nave-mãe] pelo Secretário da Defesa, Robert McNamara, atuando por ordem do Presidente Lyndon Baines Johnson que declarou que ele preferia “ver o navio ir para o fundo do mar do que embaraçar Israel, o seu bom amigo”. Ironicamente, o primeiro navio a chegar até o Liberty e oferecer assistência foi um navio da União Soviética, uma oferta que foi recusada.
Em obituário de 11 de março de 1999, escrito por Jon Thurber, redator do Los Angeles Times, sob o título Capt. William McGonagle; won Medal of Honor After Israeli Attacked Ship (Capitão William McGonagle; ganhou Medalha de Honra depois que Israel atacou navio), lemos:
Quando o Capitão da Marinha William Lare McGonagle recebeu sua Medalha de Honra, ela não lhe foi entregue, como é de costume, pelo próprio Presidente dos Estados Unidos e na Casa Branca. McGonagle, que morreu em 1999 aos 73 anos, recebeu sua medalha em relativo esconderijo de uma unidade naval perto de Washington, pelo Secretário da Marinha. Apesar de todo o seu heroísmo McGonagle continuava sendo parte de um incidente que os governos dos Estados Unidos e de Israel preferem esquecer. Ele era Comandante do Liberty.
Um navio cargueiro ligeiramente armado, da era da II Guerra Mundial convertido para um navio de recursos técnicos, o Liberty estava em serviço no Mediterrâneo oriental dia 8 de junho de 1967, o 4º Dia do que passaria logo a seguir a ser chamada a Guerra dos Seis Dias entre Israel e seus vizinhos árabes, quando foi atacado por aviões israelenses e barcos torpedeiros.
Apesar de ser tripulado por pessoal da Marinha dos Estados Unidos, o Liberty era um posto de escuta para a Agência Nacional de Segurança, o setor de inteligência responsável pela intercepção de comunicações e decodificação de códigos. Embaixo do convés 100 membros da tripulação estavam usando equipamento sensível de rádio a fim de monitorar o tráfego na região.
Como o entardecer de 8 de junho se aproximava, os marinheiros de folga do Liberty usavam a ocasião para se bronzearem e acenarem para os aviões israelenses quando passavam sobre suas cabeças. Tripulantes relembram que alguns pilotos acenavam de volta.
Porém logo após as 14:00 horas, dois aviões Mirage israelenses voltaram e desta vez os pilotos abriram fogo no Liberty varrendo o navio com roquetes, fogo de metralhadoras e napalm. Os barcos armados de torpedos chegaram e assumiram o ataque, lançando torpedos, um dos quais abriu um buraco de 12 m no casco.
Dos 294 homens da tripulação, 34 morreram e 171 foram feridos.
McGonagle estava na ponte de comando quando o ataque começou. Ele foi severamente queimado quando um dos aviões arremessou napalm na ponte e seus pés ficaram tão danificados pelos estilhaços que um torniquete improvisado não conseguiu parar o fluxo.
O Liberty enviou sinais de SOS para a VIª Frota. O porta-aviões Saratoga finalmente respondeu, dando ciência do recebimento do pedido de ajuda. Doze aviões de ataque foram despachados para salvar o Liberty, mas estes aviões foram rapidamente chamados de volta por ordem de Washington.
Logo a seguir, o ataque cessou. Os torpedeiros de Israel ofereceram ajuda ao navio que há pouco tentaram afundar. A resposta estadunidense [doLiberty] foi no mínimo grosseira.
Durante todo o tempo McGonagle continuou a supervisionar o combate ao fogo e controlar as inundações do navio atingido.
A ajuda estadunidense demorou 17 horas para chegar.
Em meados da tarde do dia dos ataques, as autoridades israelenses informaram Washington do incidente ocorrido. No furor que se seguiu as autoridades israelenses expandiram suas explicações, dizendo que os pilotos de caça pensavam que o Liberty era um cargueiro egípcio.
O ataque foi seguido de um encobrimento que sem dúvida demonstrava que ao menos um Presidente dos Estados Unidos, ainda que tenha sido cinquenta anos atrás, valorizava o relacionamento com o Estado de Israel acima de sua lealdade para com seu próprio país.
A mentira teve perna curta, pois é sabido que os caças israelenses, quando sobrevoavam o Liberty, pela manhã, escondiam as identificações israelenses e voaram baixo sobre o navio estadunidense, mas quando, à tarde, atacaram o Liberty, retiraram o disfarce e mostravam claramente a Estrela de David identificadora. Os torpedeiros, quando assumiram o ataque, chegaram muito perto do alvo para não conseguir identificar que se tratava de um navio da Marinha estadunidense.
Phil (Philip) Restino, fundador da filial da Florida, EUA, do Veterans for Peace (Veteranos pela Paz) e co-apresentador do programa de televisão denominado We cannot be silent (Não podemos ficar calados), em seu artigo The USS Liberty: Israel’s unspoken Role. A Test for Americans (O USS Liberty: o papel silencioso de Israel, um teste para os estadunidenses), escreveu sobre o episódio em 8 de junho de 2017. Após contar toda a história do ataque, Restino insiste e reporta:
Aviões de salvamento foram enviad0s da vizinha VIIª Frota para ajudar o Presidente Lyndon B. Johnson. Nunca antes na história da Marinha dos Estados Unidos uma missão tinha sido chamada de volta enquanto um navio estava sob ataque.
A Casa Branca prosseguiu escondendo a verdade sobre o ataque contra o Liberty e, até hoje, a imprensa e nossos representantes estadunidenses e senadores que não deveriam fazê-lo continuam a esconder [os fatos].
Em outubro de 2003 um Comissão de Inquérito independente sobre o ataque ao Liberty, co-presidida pelo antigo Presidente da Junta dos Chefes de Estados Maiores das Forças Armadas, Almirante aposentado Thomas J. Moorer e pelo ex-comandante assistente da Marine Corps, emitiram a seguinte declaração:
”Israel cometeu ato de assassinato contra militares estadunidenses e ato de guerra contra os Estados Unidos”. “A liberdade não é livre. Ela é mais que enviar tropas estadunidenses de forma prejudicial. Ela requer cidadania participativa por parte do povo estadunidense aqui em casa, o que implica em responsabilizar os funcionários públicos que violaram a Constituição dos Estados Unidos e de giaul forma quebrar a Lei. É quando nós, o povo, não condenamos aqueles que estão em nosso governo responsáveis por seus crimes que permitimos crimes similares ou piores contra o povo estadunidense para que assim continuem e já houve muitos depois do vergonhoso dia em Julho de 1967. Neste momento, a justiça para os homens do USS Liberty jápassou há muito tempo. Devemos isto a eles”.
Uma fonte farta e segura para este vergonhoso episódio para a Marinha estadunidense é o livro They Dare to Speak Out (Eles se atreveram a falar), de Paul Findley, um congressista do Estado de Illinois, durante 22 anos.
A página 121 do livro de Findley faz parte de um capítulo intitulado The Lobby and the Oval Office (O lobby e o Gabinete Oval) onde é demonstrada a influência que as organizações sionistas exercem sobre o Executivo estadunidense.
Escreve Findley:
Israel estava em guerra e nesta ocasião o Presidente dos Estados Unidos não causaria problemas [...]. A ajuda [em armas e todo tipo de material bélico] continuaria sem interrupção e os pedidos de sanções contra Israel nas Nações Unidas enfrentariam forte oposição dos Estados Unidos. Os Estados Unidos apoiavam ativamente os esforços militares de Israel. Os novos fortes laços com Israel levariam o presidente dos Estados Unidos a encobrir os fatos concernentes ao mais surpreendente desastre da história da Marinha dos Estados Unidos, o ataque contra o USS Liberty.
O capítulo 6 do livro de Findley, compreende 15 páginas, a respeito do ataque israelense a um navio da Marinha dos Estados Unidos. Seria como alguém surrar sua própria mãe. Reproduziremos a seguir, em parte, alguns fatos do referido capítulo, evitando fatos já mencionados por outros autores. Eis o que escreveu Findley:
O assalto no “assalto”.
O episódio e seu rescaldo foram tão incríveis aque o Almirante Thomas L. Moorer [já acima mencionado e qualificado], um mês após o ataque observou: ”Se tivesse sido escrito como ficção, ninguém acreditaria nela”. Os fatos são claros. O ataque não foi acidente. O Liberty foi atacado em clara luz do dia pelas forças israelenses que conheciam a identidade do navio. O Liberty, um navio captador de dados de inteligência, não tinha capapcidade de combate e era munido de apenas metralhadora para sua defesa. Uma brisa contínua fazia a bandeira estadunidense facilmente visível. O assalto ocorreu durante um período de perto de duas horas – primeiro pelo ar, depois por torpedeiros. A ferocidade dos ataques não deixaram dúvida: as forças israelenses queriam que o navio e sua tripulação fossem destruídos.
O público estadunidense¸ no entanto, foi mantido no escuro. Mesmo antes que o público estadunidense tomasse conhecimento, os funcionários graduados do governo estadunidense começaram a promover uma versão satisfatória para Israel. [A organização sionista de lobby nos Estados Unidos] The American Israel Public Affairs Committee (AMPAC) atuou ativamente através do Congresso para manter a história sob controle. O Presidente dos Estados Unidos, Lyndon B. Johnson, ordenou e conduziu um encobrimento tão ferrenho que dezesseis anos depois que ele deixou o cargo, o episódio continuava pargamente desconhecido do público – e os homens que sofreram e morreram se foram sem glória.
Todos os livros escritos sobre o assunto foram ‘comprados’ nas editoras e nas livrarias, com o claro propósito de escamotear a verdade – mentir.
Uma conclusão é obvia: quem tem um amigo como Israel, não precisa de inimigos.
José Farhat é cientista político, arabista e diretor de Relações Internacionais do ICArabe.
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