Terrorismo religioso
Não existe terrorismo religioso. O que ocorre, na realidade, é o uso indevido da religião para a realização de interesses de pessoas, de grupos ou até mesmo de países, ou ainda de grupo de países. Leia a análise do presidente do ICArabe, José Farhat, que republicamos em função dos ataques na Bélgica.Não existe terrorismo religioso. O que ocorre, na realidade, é o uso indevido da religião para a realização de interesses de pessoas, de grupos ou até mesmo de países, ou ainda de grupo de países. Leia a análise do presidente em exercício do ICArabe, José Farhat.O termo “terrorismo” talvez seja aquele sobre cujo significado círculos governamentais e acadêmicos têm discutido mais que qualquer outro conceito nos últimos tempos. Este é um fato cujas implicações, diferentemente de quaisquer outras, certamente são perigosas, principalmente para a área governamental, a militar em primeiro lugar.
Note-se que para os Estados Unidos existem três definições oficiais para terrorismo.
De acordo com o Departamento de Defesa: “Terrorismo é o uso calculado da violência ou a ameaça de violência para inculcar o medo, com a intenção de forçar ou intimidar governos ou sociedades a perseguirem os objetivos que geralmente são políticos, religiosos, ou ideológicos”.
Para o Departamento de Estado, “Terrorismo é a violência premeditada, politicamente motivada perpetrada contra objetivos não combatentes por grupos subnacionais ou agentes clandestinos, usualmente pretendendo influenciar uma audiência”.
Finalmente, a definição para o Departamento da Justiça: “Terrorismo é o uso ilegal de força ou violência contra pessoas ou propriedades para intimidar ou coagir o governo, a população civil, ou qualquer segmento, em apoio a objetivos políticos ou sociais”.
Nenhuma dessas definições combina com a definição do governo do Reino Unido, constante da Lei da Prevenção contra o Terrorismo, de 2000, que reza: “Terrorismo é o uso ou a ameaça, com o propósito de fazer avançar uma causa política, religiosa, ou ideológica, de ação violenta contra qualquer pessoa ou propriedade, arriscando a vida ou a saúde ou a segurança do público ou de parte do público”.
A Lei Patriot, de 2001, dos Estados Unidos traz duas definições separadas de terrorismo, cada qual mais longa e mais complicada.
Tendo em vista que terrorismo é um fenômeno internacional, uma definição aceita por todo o planeta é essencial.
Na ausência de uma definição global, o debate do relacionamento, se existir, entre o próprio terrorismo e a resistência à ocupação militar ou colonial, por exemplo, e ao próprio uso da religião como razão do terrorismo, que o assunto que nos interessa aqui, continuará sem solução. Há uma necessidade premente, urgente, de uma definição objetiva para que se possa formular políticas e programas de controle do terrorismo, evitando discussões infindáveis que a nada têm levado e talvez até agravado o surgimento de movimentos que podem ser ou não atribuídos ao terrorismo, dependendo do interesse de cada parte.
O que infelizmente tem acontecido é que algumas grandes potências preferem a escuridão às definições, tentando evitar que seus atos de violência ímpar sejam discutidos no contexto do terrorismo. Isto se tornou evidente com o que se seguiu aos atos terroristas de 11 de Setembro contra os Estados Unidos. A chamada “guerra contra o terror” declarada pelos Estados Unidos e um seleto grupo de seus aliados subordinados não querem uma definição precisa de terrorismo, preferindo que este seja definido como ação de grupos não governamentais, a fim de tentar iludir sobre a natureza terrorista mesmo de seus próprios atos.
Fatos não faltam! Não adianta querer mentir para a opinião pública planetária: matar pessoas inocentes por organizações tais como Al-Qaida é terrorismo, mas matar pessoas inocentes cidadãos do Afeganistão, do Iraque, da Somália, da Líbia, da Síria, do Kosovo e tantos outros rincões da terra, por alianças imperialistas, absolutamente não é terrorismo.
Uma lista de vinte e dois grupos terroristas que Washington publicou em novembro de 2001 incluía o libanês Hizbullah e, por esta razão, seus bens nos Estados Unidos foram congelados, enquanto o governo libanês recusava seguir o comportamento estadunidense, argumentando fazer distinção clara entre organizações que praticam o terrorismo e aquelas que têm como objetivo libertar seus países ou territórios ocupados por todos os meios a seu alcance. Lembremos que o Hizbullah foi criado na região sulina do Líbano quando estava submetida à ocupação israelense.
A posição do governo libanês continua a mesma até hoje, quinze anos após a retirada das forças israelenses do sul do Líbano, em 25 de maio de 2000. Declaração do Ministério das Relações Exteriores do Líbano reitera “o direito do Líbano para libertar o território restante ainda sob a ocupação israelense”. Israel ainda ocupa a vila de Ghajar, as fazendas de Shebaa e as colinas de Kfar Shuba. O Líbano baseia sua pretensão contando com as forças de resistência à ocupação encabeçada pelo Hizbullah aliado ao Exército e outras organizações libanesas e não conta obviamente com os Estados Unidos, principais apoiadores de Israel.
Chega a ser demonstração de falta de vergonha argumentar que a morte de milhares de cidadãos inocentes de um país soberano pode ser considerada dano marginal na perseguição e morte de um punhado de terroristas enquanto Estados Unidos e seus ambiciosos aliados imperialistas esbanjam recursos fabulosos em gastos militares usadas contra países militarmente fracos e ainda se dão ao luxo de determinar o contexto e o paradigma nos quais suas políticas externas devem ser discutidas.
Esta é o padrão de duplicidade que as grandes potencias usam e querem impor a todas as nações no trato do assunto de terrorismo, dificultando a aceitação da definição do terrorismo, abrindo o campo para que cometam seus crimes.
De fato, atacar pessoas inocentes, independentemente de suas nacionalidades, pertencentes a qualquer grupo religioso, étnico ou ideológico, quer organizados em exércitos nacionais portadores de uniformes e bandeiras nacionais ou pessoas pertencentes a organizações clandestinas tais como Al-Qaida, devem ser igualmente consideradas terroristas.
Terrorista é terrorista e o adjetivo não deve ser usado, hora sim hora não, de acordo com a atuação momentânea da organização em questão se está agindo ou não de acordo com o interesse das grandes potencias encabeçadas pelos Estados Unidos.
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Antes de tudo, é de grande importância esclarecer que não existe terrorismo religioso. O que ocorre, na realidade, é o uso indevido da religião para a realização de interesses de pessoas, ou de grupos e ou até mesmo de países ou ainda de grupo de países. Essa definição é fictícia. Estão usando a religião para transformar a situação atual de países árabes e muçulmanos e para instalar governos de orientação supostamente religiosa, porém obedientes às política ditadas pelas grandes potências.
Esses interesses, nem sempre estão de acordo com a religião, pelo contrário. O que fazem é um desrespeito tremendo contra os direitos humanos, por tudo aquilo que, de fato, interessa aos países árabes e muçulmanos: emprego, saúde, alimentação e tudo aquilo que os países produtores de petróleo, por exemplo, poderiam dar e não dão.
Ao ser proposto um debate sobre “Terrorismo Religioso” o caminho que se abre é o do terrorismo relacionado com o Islã. Esta é a Religião que vem imediatamente às mentes mal informadas e que vem sendo martelada sem cessar nas fontes de informações dirigidas.
Baruch Kopel Goldstein (1956-1994), na manhã de 25 de abril de 1994, às 05:00 horas da manhã, vestido com seu uniforme do exército israelense, enquanto 800 palestinos muçulmanos rezavam na Cava dos Patriarcas, um lugar sagrado para muçulmanos e judeus, fez com que os guardas israelenses o deixassem passar com seu rifle de assalto IMI Galil, 4.900 projéteis e inúmeras granadas, posicionou-se na única porta de saída, atrás dos muçulmanos que rezavam e abriu fogo: matou 29 pessoas e feriu 125. Foi obviamente dominado e surrado até à morte. Ele está enterrado sob um monumento para supostamente homenagear a sua coragem em prol da religião, a religião dele obviamente. Ele é considerado por seus irmãos de fé que ocupam à força terras que não lhes pertence como um herói e os palestinos, mortos ou vivos, mulheres idosos e crianças incluídos, são os terroristas.
Este poderia ser um exemplo de terrorismo religioso, pois este foi o único móvel para o crime de Goldstein na mesquita e na ocupação das terras palestinas, pois acreditava e seus pares acreditam que a terra lhes foi doada por Deus. Aqui neste recinto dificilmente encontraremos alguém que já ouviu falar nele. Os palestinos, sem distinção dos cristãos entre eles, são considerados terroristas islâmicos quando reivindicam politicamente a posse de suas terras e os sionistas nem são taxados de terroristas religiosos apesar do seu óbvio comportamento.
Vamos analisar algumas das pedras arremetidas contra o Islã e os muçulmanos.
O fundamentalismo é qualquer corrente, movimento ou atitude, de cunho conservador e integrista, que enfatiza a obediência rigorosa e literal a princípios básicos que remete a um livro sagrado. Há o fundamentalismo judeu, o cristão e o islâmico, mas só este é objeto de crítica ignorante e só ele é usado por certos muçulmanos para fins políticos criminosos; como é o caso da Arábia Saudita no Iêmen.
Fundamentalismo é o termo usado para o esforço de definir os fundamentos de uma religião e eventualmente aderir a eles. No caso do Islã, o objetivo principal de seu fundamentalismo é a proteção da pureza dos preceitos islâmicos evitando suas adulterações. Renascimento e ressurgimento e um renovado interesse no Islã. Atrás de tudo isto há um impulso visando a purificação do Islã, a fim de permitir o reaparecimento de toda a sua força vital.
É aí que surgem dois perigos que poderíamos chamar de internos, de dentro do círculo religioso: o primeiro é saber se aquele que se esforçou para definir os fundamentos da religião é confiável e o segundo, derivado ou associado àquele, é a possibilidade de uso indevido dos fundamentos mal interpretados para fins que colidem com os próprios fundamentos do Islã. Um terceiro perigo visto de fora do Islã poderá interpretar os dois perigos anteriores de acordo com o seu entendimento ou pior ainda, em relação a seus interesses, estranho ou contrário ao Islã.
O muçulmano deve interpretar corretamente a Sharia e deve aplicá-la na existência individual e coletiva, o que é objeto do Fiqh, o qual como os outros conhecimentos religiosos de caráter não jurídicos, se inspira em quatro grandes fontes: (1) o Corão; (2) a tradição (Sunna) do Profeta definida pelo conjunto dos Hadiths; (3) a (Quiyâs) dedução por analogia no caso de ausência de menção explícita no Corão e na Sunna; e, (4) a Ijmâ’, consenso da comunidade dos crentes a qual segundo os ensinamentos do Profeta “não será jamais unânime no erro”.
O conjunto das regras éticas que derivam da Sharia garantiram durante longos séculos a estabilidade e a harmonia da sociedade muçulmana, estruturando-a e garantindo sua coerência. Essas regras não vieram de convenções sociais e sim de ordem divina.
Deve ser reconhecido que no conjunto do mundo islâmico a Sharia tem sido contestada, especialmente de parte da juventude que, igual à juventude dos continentes, da Europa à America, rejeitam usos antigos e rejeitam toda forma de usos antigos e suportam cada vez menos toda forma de disciplina e de autoridade.
Tanto para esta juventude atual quanto para aqueles que guardam graus de fidelidade às tradições, nem tudo está perdido, muito pelo contrário, porque o abrandamento está previsto na própria Sharia através de Hadith do Profeta quando afirma: “Aquele que no início do Islã negligencia um décimo por cento da Lei estará perdido; mas aquele que, no final, guardará um décimo, será salvo”.
O Corão explica: “A verdadeira piedade não está em voltardes as faces para o Levante ou para o Poente. O homem bom é aquele que crê em Deus”. (Alcorão II:177) Suratu Al-Baqarah).
Depois de todos estes meios de conhecer o Islã vem a pergunta que interessa a este certame que se resume em saber como ficam organizações como por exemplo a Daesh, também chamada ISIS e igualmente EI que diz lutar pelo estabelecimento de um califado islâmico, começando com a Síria e o Iraque?
Ficou muito claro, em tudo o que foi dito até agora, que apesar do abrandamento previsto, não há como justificar as barbaridades que a mencionada organização vem cometendo, os crimes que vem praticando e principalmente usar o nome de Deus para justificar seus atos. O Corão é muito claro a este respeito quando determina: “E quem luta [pela causa de Deus], apenas luta em benefício de si mesmo. Por certo, Deus prescinde de toda a humanidade”.(Alcorão II:177 Suratu Al-Baqarah). A luta a que se refere este versículo é o jihad, traduzido erroneamente por “guerra santa” no Ocidente. Jihad é esforço, luta. Porém levantar bandeiras em nome de Deus e cometer crimes contra a humanidade não é lutar, entrar emjihad em benefício de Deus, é crime que como vimos ao longo do que foi dito, não é aceito pelo Islã.
O espetáculo horripilante de ver dezenas de cristãos sendo levados para serem degolados, simplesmente por serem cristãos, é uma prova, entre as centenas que esta organização criminosa tem fornecido para condená-la por seus crimes contrários ao Islã e suas regras, daSharia islâmica. Matar cristãos contraria preceitos islâmicos fundamentais, conforme consta do Corão quando estabelece as seguintes regras:
“E não discutais com os seguidores do Livro senão da melhor maneira – exceto com os que, dentre eles, são injustos e dizei: ‘Cremos no que foi descido para nós e no que fora descido para vós; e nosso Deus e vosso Deus é Um só. E para Ele somos submissos’” (Alcorão XXIX:46 Suratu Al-Ankabut). Este versículo é claro: os seguidores do Livro são os cristãos e os judeus e a eles é determinado um tratamento privilegiado, são claramente considerados como se muçulmanos fossem, principalmente quando é dito que Deus, para muçulmanos, cristãos e judeus é um só e todos os três são a Ele submissos. Submisso é a tradução do árabe para muçulmano, o que evidencia que todos pertencem a uma só religião.
O Corão reforça a recomendação do tratamento digno a ser dado aos portadores do Livro (cristãos e judeus) em vários outros versículos. Destacamos mais um versículo que diretamente condena os ditos promotores do pretendido estado islâmico e determina como o muçulmano deve proceder com relação aos portadores do Livro: “E, por certo, há, dentre os seguidores do Livro, os que creem em Deus, e no que fora descido para eles, sendo humildes para com Deus, não vendendo os sinais de Deus por ínfimo preço. Esses terão seu prêmio junto de seu Senhor. Por certo, Deus é destro no ajuste de contas”. Seguindo as regras do Corão, o sangue dos cristãos coptas egípcios, trabalhadores engenheiros cumpridores de seus deveres, clamará por justiça, neste e em qualquer outro mundo e os criminosos receberão sua conta.
Esses criminosos não cumprem o que manda a religião não somente no caso de portadores do Livro e sim com relação a outros muçulmanos, usando o nome de Deus e da Religião. Isto está claro no Corão quando diz: “[…] E não mateis a alma que Deus proibiu matar, exceto se com justa razão. Eis o que ele recomenda para razoardes.” (Alcorão VI:151 Suratu Al-Na’am).
O tal Estado Islâmico cometendo as transgressões que comete contra a Sharia e principalmente aos preceitos do Corão, não está relacionado ao Islã e jamais se poderia dizer que comete “terrorismo religioso”.
O terrorismo religioso não existe, o que é comum através do tempo e do espaço, são atos terroristas usando e abusando da religião.
O Estado Islâmico usa a religião para erroneamente justificar suas ambições e suas ações.
Palestra proferida no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) em 27/05/2015 e aqui publicada, em 13/11/2015, em memória dos inocentes mortos vítimas dos assassinos que usam a Religião contrariando as suas próprias regras sagradas.