Simpósio Expedição Aziz Ab'Saber 100 Anos: leia o discurso de Natalia Calfat, presidente eleita do ICArabe, na abertura do evento

Qua, 27/11/2024 - 12:16

 

É com alegria que damos muito boas-vindas ao “Simpósio Expedição Aziz Ab'Saber 100 Anos”, realizado pelo Sesc São Paulo em parceria com o Instituto da Cultura Árabe e a Cátedra Edward Said de Estudos da Contemporaneidade – Unifesp.

No encontro de hoje temos a honra e o carinho de homenagear o Professor Aziz Nacib Ab’Saber em seu centenário. Geógrafo, educador e pesquisador, o Professor Aziz é atualmente uma das grandes referências nas temáticas de meio ambiente e impactos ambientais decorrentes das atividades humanas.

Hoje, através das três mesas de debate que apresentaremos, buscamos celebrar o legado do professor em diferentes campos de pesquisa e atuação, suas contribuições a importantes instituições do pensamento brasileiro, sua vida e sua relação com o mundo árabe e com a comunidade árabe no Brasil.

Prof. Aziz dedicou uma vida aos estudos e pesquisas acadêmicas. Lecionou na Universidade de São Paulo por mais de 30 anos, tornando-se professor-emérito da USP. Contabiliza em sua trajetória um total de 486 obras, entre artigos acadêmicos, teses, capítulos de livros, documentos, artigos e relatórios. Ab’Saber também conquistou diversos prêmios importantes.

Em 2011, foi escolhido pela União Brasileira de Escritores como o Intelectual do Ano, prêmio que o firma como um dos maiores nomes da Geografia moderna. Recebeu em 2005 o prêmio Jabuti de melhor livro na categoria Ciências Humanas com a obra “São Paulo, ensaios entreveros”. Também ganhou o Prêmio Internacional de Ecologia e o Prêmio Unesco para Ciência e Meio Ambiente.

Foi Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), professor honorário do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) e presidente de honra da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência e do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe).

Pioneiro em geografia física, ecologia, meio ambiente e cidadania, se debruçou sobre questões socioambientais, agroecologia e variações climáticas. Foi um defensor do direito da natureza e do direito humano à água, celebrando o conhecimento das comunidades nativas.

Observador da paisagem durante todas suas viagens, Prof. Aziz teorizou sobre o avanço e o recuo dos diferentes tipos de vegetação conforme as alterações climáticas do planeta. Era focado na geomorfologia, mas era verdadeiramente um geógrafo completo. Muito preocupado com as questões ambientais do país, ele desenvolveu diversos estudos considerados de Geografia Humana e de planejamento urbano e ambiental.

Mesmo sem assumir nenhum cargo político (exceto pelo breve período enquanto presidente do Condephaat), atuou politicamente: como na orientação da mudança da área da construção do Aeroporto Internacional de São Paulo e a exemplo de sua mediação no conflito entre empresas mineradoras e garimpeiros da Serra Pelada, buscando maior integração entre as partes e alternativas para solucionar o dilema.

Prof. Aziz também desenvolveu modelos de zoneamento ecológico, projetos de reflorestamento, preocupava-se com sustentabilidade e reaproveitamento, com a recuperação e restauração de áreas degradadas, tendo antecipado, por exemplo, a intensificação das chuvas no sul e no sudeste.

É, sobretudo, inspiração para o enfrentamento dos desafios climáticos da contemporaneidade. A identificação de problemas e as soluções apresentadas por ele são extremamente atuais no cenário contemporâneo de emergência climática que vivemos.

Prof. Aziz é merecedor de vários títulos: geógrafo humanista, mestre na preservação da natureza, geógrafo completo (um dos títulos que mais gosto), e meu preferido: jardineiro. Explico: Ainda jovem, Aziz queria tanto trabalhar na Universidade de São Paulo que, na época bacharel e pós-graduado, aceitou o cargo e o salário de jardineiro, já que seu professor não podia empregá-lo como pesquisador sênior em seu laboratório.

Depois de três meses cuidando das árvores e das plantas, surgiu a oportunidade de ser prático de laboratório, cargo que ocupou até defender a livre-docência, em 1965.

Como presidente de honra do Instituto de Cultura Árabe, Aziz Ab’Saber foi um dos maiores representantes da cultura árabe no Brasil.  

Além de dedicado estudioso de geomorfologia, etnologia e antropologia, é um grande conhecedor da cultura árabe. Um ano antes de falecer, Ab’Saber acompanhava atentamente o desenrolar dos acontecimentos da chamada Primavera Árabe, talvez sem ter dimensão que ,15 anos depois, a região – terra de seu pai - estaria como hoje, sob ataque.

Em 1996, Aziz passou duas semanas viajando por Síria, Líbano e Egito. Conheceu a cidade natal de seu pai e teve a oportunidade de travar contato com a geografia real de todos aqueles países que fizeram parte das histórias contadas durante sua infância. “Eu tinha desespero para ver a realidade geográfica disso”, disse. Prof Aziz tinha esse espírito, de sair para a rua – ou para a mata – estar na universidade, mas a todo tempo estar fora dela, em contato próximo com a sociedade.

Isso fala precisamente do espírito do Prof. Aziz, da sede pelo conhecimento, do olhar para o outro, da insistência na ciência, na valorização dos ensinamentos tradicionais, do respeito à terra, da gentileza, da troca... e do legado.

O falecimento do Prof. Aziz em 2012 se deu antes da minha entrada no Instituto, de modo que eu não o conheci pessoalmente. Mas gostaria de falar sobre como esse legado é rico, poderoso e permanente. Candura é a palavra que me vem para descrever o Prof. Aziz porque sempre que dilemas se colocam à frente da diretoria ou dos integrantes do Instituto é a ele que os fundadores fazem referência. ‘Aziz diria' eles dizem... ou ‘Aziz faria'. Isso é o que chamo de herança.

Ele e seu legado perduram lindamente, Prof. Aziz é contínuo porque os dilemas com os quais ele lidava permanecem presentes, e a sustentabilidade das soluções que ele apresentava também. Ele vive na valorização de suas raízes, na exaltação da cultura árabe no Brasil e na contribuição sobre a produção e desenvolvimento do conhecimento humano ao longo da história.

É por isso que o Prof. Aziz Ab’Saber vive na universidade brasileira, na cultura brasileira, na comunidade árabe-brasileira e no meio ambiente e geografia brasileiros.

Obrigada, Prof. Aziz, pelo que nos ensinou depois de sua partida.

 

26 de novembro de 2024.

Natalia Calfat, presidente eleita do Instituto da Cultura Árabe

*Para garantia da acessibilidade e democratização da informação, o evento contou com a colaboração de intérpretes de Libras.