Especial Dia Nacional da Comunidade Árabe: Vamos para a "Amrik" (América)
"Juro por meus parentes que não os deixei de bom grado
Eles são meu tesouro e coluna de apoio
Mas desgostei de viver na minha pátria
Como escravo, quando já tinha sido senhor".
Fauzi Maluf[1]
A história da migração e emigração na região do Oriente Médio se perde no tempo, tendo em conta os vários impérios que se sucederam no Levante, entre eles o Império Otomano (1516-1918), período em que os libaneses e sírios foram marcados profundamente pela opressão, despotismo, feudalismo, guerras civis, massacres, problemas de ordem econômica-demográfica-política, divergências religiosas "provocadas", insegurança etc... levando, sobretudo os camponeses e parte dos intelectuais, a emigrarem para outras terras. Assim, a partir das últimas décadas do século XIX, começou a "Grande Emigração" - "Mahjar" -, uma verdadeira "epopeia" dos tempos modernos e uma das maiores conquistas pacíficas do mundo, formando a grande "Djaliya"[2] libanesa, radicada em todos os continentes e que forma hoje um núcleo significativo em mais de 60 países.
Movimento imigratório libanês
Sem a emigração nós não poderíamos viver, mas se a emigração tornar-se maior, nós poderemos morrer..." (Michel Chiha)_
O movimento imigratório libanês é conhecido desde a época fenícia, quando a região foi invadida por outros povos. Passou por várias etapas, sendo que a principal iniciou-se principalmente em meados do século XIX e continua até os nossos dias.
1 - 1860 a 1900: grande emigração experimental, principalmente para a América do Norte (mais direcionada para os EUA). A partir de 1880, a emigração se dirigiu mais para a América do Sul (particularmente para o Brasil, após a visita do Imperador brasileiro Dom Pedro II ao Líbano, 1876)[3]. Nos registros libaneses constam 120 mil partidas nesta época, ou seja, uma média de 3 mil por ano. No Brasil chegaram, a partir de 1880, um total de 5.696 emigrantes. A população do Brasil em 1890 era de 14.333.915 (IBGE)
"A imigração, é uma manifestação da energia dos povos que, impelidos pela iniciativa, procuram outras terras, fugindo da opressão, buscando melhor sorte econômica ou satisfazendo ambições do espírito. Se a emigração é em massa, e de um povo numeroso, forte e bem armado, para um país mais fraco, é invasão. Mas, se é simplesmente de indivíduos sem poderio e de poucos recursos, para um país forte e rico, ela não é mais que a visita de quem procura lucro pelo comércio, trabalhando um mês ou um ano com esperança de regressar à pátria com as vantagens obtidas..." (Anis J. Racy)
2 - 1900 –1914: aumento da emigração , chegando a uma média de 15 mil partidas por ano. 4.600 libaneses chegam ao Brasil. Durante a I Guerra Mundial (1914-1918) a emigração foi interrompida.
3 - 1914 – 1939: neste período entre as duas Guerras Mundiais, o fluxo imigratório recomeçou e, inicialmente, se calculam por volta de 9 mil partidas por ano. Entre 1914 e 1941, o Brasil registrou a entrada de 45.775 novos imigrantes libaneses. Nos anos 20, a emigração diminuiu devido a alguns progressos no Líbano que desestimularam a emigração. A taxa de imigrantes baixou a 1.400 em 1938, época que trouxe de volta alguns emigrantes que deram origem a colônias de libaneses que voltavam ao Líbano, entre elas a dos líbano-brasileiros - "brasilibaneses" neologismo que criei em 1989 - , e que acabaram por influenciar também a cultura libanesa.
4 - 1939-1974: Com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a emigração foi novamente interrompida para recomeçar ao final da guerra, chegando a 4 mil por ano o número de emigrantes (mais de 30% escolheram a direção Brasil). Com a independência do Líbano (1943) e a era dos "petrodólares", muitos libaneses emigraram para os países árabes e o Líbano passou a ser o centro financeiro da região, o que desencorajou a emigração. Em 1944 o Brasil reconheceu a Independência do Líbano e em 1945 foram estabelecidas as Relações Diplomáticas entre o Brasil e o Líbano.
5- 1975 até nossos dias: inicia a guerra civil no Líbano (13 de abril de 1975 - 1990), o que obrigou mais de 6 mil pessoas a deixarem o país e irem para os países árabes e ocidentais. Contudo, esta é uma emigração passageira e de caráter político, e não econômico como as anteriores. Com o final da guerra civil, em 1990, muitos emigrantes retornam ao país e outros continuam partindo em busca de novos Eldorados. Em 1993, foi estimado em 800 mil o número de libaneses que vivem no exterior.
"Uma vez um brasileiro perguntou a um libanês por que existem tantos libaneses no
Brasil, e o libanês respondeu espontaneamente:
- lá em minha pátria, no topo de uma montanha, que aos seus pés dorme o Mediterrâneo, está em pé a Virgem Maria, seus olhos abraçam o mar e com seus braços abertos diz para os libaneses:
-Vão meus filhos e sonhadores para o outro lado do oceano, para o Brasil. Lá estará meu filho único no topo de uma montanha no Rio de Janeiro de braços abertos esperando por vocês. Vão para essa terra abençoada que abriu e ainda abre seus braços para os filhos do Líbano".
Roberto Khatlab é diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina na Universidade Saint-Esprit de Kaslik (USEK), Líbano
[1] Fauzi Maluf (1899-1930) imigrou para São Paulo em 1921, entre várias atividades literárias e comerciais fundou o Clube Zahle de São Paulo e participou da fundação da Liga Andaluza.
[2] Palavra árabe cuja tradução é "Diáspora". Mahjar se traduz como "emigração"..
[3] Khatlab, Roberto – As viagens de D. Pedro II. Oriene Médio e África do Norte, 1871 e 1876. Editora Benvirá (Saraiva), São Paulo 2015