O ICArabe lança mais um verbete de sua série especial, iniciativa que visa ampliar o entendimento sobre o mundo árabe por meio de conteúdo aprofundado e baseado em fontes confiáveis. O projeto reafirma o compromisso da instituição com a valorização do conhecimento, o enfrentamento de estereótipos e a promoção de uma visão mais crítica e informada da realidade árabe.
Confira a lista completa de verbetes neste link
Malês
Os africanos muçulmanos que chegaram ao Brasil como escravizados ficaram conhecidos na história nacional como malês, termo que provavelmente tem origem na palavra imale, que significa muçulmano em língua iorubá.
Os africanos de etnia iorubá – ou nagôs, como eram chamados na Bahia – eram majoritários entre os negros que protagonizaram a Revolta dos Malês, em 1835 em Salvador – a maior rebelião urbana de escravos das Américas.
No entanto, havia afro-muçulmanos de outras etnias no país – como nupes, mandingos, jejês, etc – além dos hauçás, o grupo étnico mais islamizado entre eles, que encabeçaram rebeliões anteriores e desempenharam papel importante no levante de 1835. Além de malês, a palavra hauçá musulmi, para designar os muçulmanos, também foi conhecida pela sociedade baiana.
Embora a Bahia tenha sido o principal destino nacional dos afro-muçulmanos escravizados, certamente não foi o único. Há registros de sua presença no Rio de Janeiro, em Pernambuco, Alagoas, Sergipe e no Rio Grande do Sul, onde foram mais conhecidos como pretos(as)-mina ou simplesmente minas.
Essa designação tem origem no local de embarque de escravos, conhecido como Costa do Mina, nome dado pelos portugueses à uma ampla região no Golfo da Guiné, alusivo às minas de ouro que negociavam com os nativos desde o final do século XV. Em princípio, qualquer escravo embarcado nos portos da região era identificado como mina, independentemente de sua etnia ou religião.
Porém no século XIX se observa o uso corrente do termo para se referir mais especificamente aos negros praticantes do Islã, que se tornaram cada vez mais numerosos entre aqueles que chegavam da Costa do Mina, devido a conflitos étnicos-religiosos na África subsaariana, onde tradicionalmente se concentrou a maior parte da população negra islamizada do continente, que ocorreram a partir do final do século XVIII.
O legado afro-islâmico está presente em diferentes expressões da cultura brasileira e inclui um volumoso patrimônio manuscrito em árabe e ajami (línguas africanas escritas em caracteres árabes). Está composto por cerca de quarenta fragmentos ou folhas avulsas de procedência pernambucana e um pouco mais de quarenta de procedência baiana, além de quatro livrinhos de orações, um dos quais de procedência gaúcha. Além de sua importância para a valorização da herança africana no Brasil, são os primeiros testemunhos do uso do idioma árabe no país.
MINI BIO
Fernanda Pereira Mendes é doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Porto. Em sua produção acadêmica, destaca-se a tradução dos manuscritos medievais do Livro da Escada de Maomé, produzidos pela escola de tradutores de Toledo no século XIII, publicada no Brasil e em Portugal. Atualmente, desenvolve pesquisa de pós-doutorado sobre possíveis fontes árabes e afro-islâmicas da literatura brasileira oitocentista no departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).