O Instituto da Cultura Árabe – ICArabe apresenta mais um verbete da série especial voltada a aprofundar o entendimento sobre o mundo árabe. A iniciativa reforça a missão do Instituto de difundir conhecimento confiável e promover a valorização da diversidade cultural, contribuindo para quebrar estereótipos e ampliar a consciência crítica da sociedade.
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Maronismo
O maronismo nasce do monaquismo[1] em torno de São Maron († c. 410), eremita do vale do Orontes (Líbano, Turquia e Síria), cuja comunidade deu origem ao mosteiro de Bet Maroun. Sua espiritualidade une ascetismo sírio, disciplina comunitária e pastoral aldeã, mantendo fidelidade à ortodoxia calcedoniana. O rito maronita é antioqueno ocidental (siro-ocidental), celebrado em siríaco e árabe, com a Qurbono como centro litúrgico. Apesar da latinização, preserva caráter semita e oriental.
Durante as controvérsias bizantinas, os maronitas foram acusados de monotelismo[2], mas afirmaram sempre ter sido fiéis a Calcedônia. A comunhão com Roma, reafirmada em 1182 e consolidada com o Colégio Maronita de Roma (1584), fez deles uma das raras Igrejas orientais sem ruptura com o papado.
Com a conquista árabe, refugiaram-se nas montanhas do Líbano, formando uma sociedade autônoma e resistente, simbolizada pelos Mardaitas, guerreiros-monges que encarnaram a fidelidade sem império. Essa marginalidade moldou um cristianismo disciplinado e comunitário.
A partir das Capitulações de 1536 entre Solimão Magno e Francisco I, a França tornou-se protetora dos católicos orientais, fomentando uma elite bilíngue e culta por meio de missões jesuítas e escolas.
No Emirado druso-maronita de Fakhr al-Dīn II e dos Shihab, o Monte Líbano conheceu autonomia política e cooperação entre comunidades. Após os conflitos de 1860, a Mutasarrifia (1861) institucionalizou uma província autônoma cristã sob tutela europeia. Bispos como Estéfano Douaihy e Youssef Debs fizeram da educação o instrumento central da fé e da ascensão social maronita.
No século XX, o Pacto Nacional (1943) libanês garantiu ao maronita a presidência da República e o papel de árbitro do Estado. Apesar do declínio após o Acordo de Taif (1989), o maronitismo continua uma força moral e cultural de equilíbrio, guardando a memória de um Líbano livre, plural e fiel à sua montanha.
[1] Monaquismo é um sistema de vida de consagração à causa divina, que tenta chegar a Deus passando pelo recolhimento e uma vida de dedicação e interiorização. A esta palavra associa-se uma outra – monge –, do grego monos que significa único, só. Etimologicamente, designa aquele que vive solitário, dedicando a sua vida a serviço de Deus, dedicação assumida livremente e que pressupõe o cumprimento das normas estabelecidas numa Regra, baseando-se sempre nos conceitos de castidade, pobreza e obediência.
[2] Doutrina herética cristológica, do século VII, dos que defendiam que em Cristo havia duas naturezas (a divina e a humana) e uma só vontade: a vontade divina. ≃ monotelitismo [gr. monos + thelein].
O monotelismo, proposto para conciliar diferentes facções cristãs, foi condenado como heresia no Terceiro Concílio de Constantinopla em 680-681.

Arthur Jafet é advogado e empresário, com MBA em Relações Internacionais pela FGV-SP. É diretor da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, curador da Mostra Mundo Árabe de Cinema e conselheiro do Instituto da Cultura Árabe. Diretor do Conselho Ortodoxo da cidade de São Paulo e membro afiliado da Academia Líbano-Brasileira de Letras, Artes e Ciências
