O ICArabe lança o 20º verbete de sua série especial, criada para apresentar uma visão ampla e fundamentada sobre o mundo árabe, combatendo estereótipos e desinformação. A iniciativa, alinhada à missão da instituição, busca difundir conhecimento de forma criteriosa e contribuir para a formação de uma sociedade mais consciente.
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Exílio
O exílio é definido como a expatriação forçada ou por livre escolha de uma pessoa. A experiência do exílio atravessa a história humana e traz consigo a marca da incerteza e da descontinuidade. Rompe laços com a língua, o território e os afetos originários, instaurando uma fratura na vida que faz lembrar que estar no mundo é transitar por um terreno instável, sem garantias de saber como se situar. Em qualquer circunstância histórica, o desenraizamento associa-se à condição do estrangeiro e envolve consequências imprevisíveis. A reação ao novo contexto, onde a vida terá de ser reconstruída, pode levar ao fechamento – com o apego a uma identidade de origem que perdeu seu lugar referencial -, mas também à abertura ao outro. São movimentos oscilantes, não predisposições. Os modos de viver o inusitado do exílio relacionam-se tanto às condições, quase sempre indesejadas, que levaram ao deslocamento quanto àquelas encontradas no novo contexto, que podem ser hostis ou acolhedoras.
Relatos de exílios percorrem páginas memoráveis da literatura mundial e transfiguram-se em imagens notáveis, frequentemente desconcertantes. Isso porque o exílio, cuja dimensão histórica e política é incontornável, ainda que possa configurar uma escolha diante da adversidade, tem como marca seu caráter involuntário, decorrente de imposições externas, como guerras, ditaduras ou conflitos religiosos, étnicos ou raciais. Trata-se de uma experiência atravessada pela violência, que estabelece um corte que afeta a vida e a linguagem. A dificuldade de transmitir a dor faz um apelo ao outro; e, no caso do desenraizamento, com sua perda de referências, este apelo ressoa forte, mostrando que, diante de um fenômeno de alcance global, estamos todos implicados.
Vivemos uma era de deslocamentos forçados sem precedentes, que faz do exilado uma figura emblemática do mundo contemporâneo, resultante da ordem instaurada no pós-guerra do século XX. Apesar da existência de leis internacionais e nacionais que regulam o trânsito de pessoas, tendo por base a Convenção de Genebra, de 1951, o exílio expressa a precariedade e a instabilidade de um tempo em que direitos podem ser inesperada e arbitrariamente suspensos. É preciso, assim, propiciar as condições possíveis de escuta que permitam à experiência vivida ser transmitida e reconhecida, de modo a abrir a possibilidade de que o exílio, para além da dor, se torne uma experiência de acolhimento.
Cynthia Andersen Sarti é antropóloga, professora sênior no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e assessora interna da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para a área de Antropologia. Integra a Cátedra Edward Saïd de Estudos da Contemporaneidade, onde é pesquisadora e editora associada da revista Exilium. Doutorou-se em Antropologia pela Universidade de São Paulo. Seus temas de pesquisa, em torno dos quais giram suas publicações, são: memória, violência, exílio, dor, sofrimento, vítima, testemunha; vida, corpo; saúde e doença; moralidade; gênero.