O Instituto da Cultura Árabe (ICArabe) apresenta mais um verbete de sua série informativa dedicada ao universo árabe, reforçando seu compromisso com a difusão de conhecimento crítico e de qualidade sobre a cultura, a história e a sociedade árabe-islâmica. A iniciativa busca ampliar a compreensão do público brasileiro, enfrentando estereótipos e corrigindo interpretações equivocadas que ainda circulam no imaginário coletivo. Cada verbete, elaborado por um especialista convidado, aprofunda temas diversos do mundo árabe, estimulando a reflexão sobre suas contribuições históricas e contemporâneas e fortalecendo o diálogo intercultural pautado pelo respeito e pela valorização da diversidade.
Confira a lista completa de verbetes neste link.
jihad
Quando se fala em jihad, geralmente a primeira ideia a se formar é sobre combate no sentido de guerra. “Jihad, tal como outras palavras retiradas de um contexto religioso, tem uma longa história e um conjunto complexo de significados. É convencionalmente traduzida como «guerra santa», mas esta definição, associada às Cruzadas medievais, é geralmente rejeitada pelos muçulmanos por ser considerada demasiada cristã.” (Cook, 2005, p.1, tradução nossa). Mais que associar o termo, de forma estereotipada, à violência ou ao jihadismo terrorista, no contexto islâmico seu significado é particularmente importante no que tange o autocontrole, empenho e superação.
Do árabe, a palavra jihad deriva do verbo jahada e significa “esforço” ou “luta”. Sua raiz etimológica remete à luta contra adversários indesejáveis, sejam externos, como Satã, ou internos, como o próprio ego. No contexto religioso, além de jihad, o Alcorão também utiliza os termos qital e harb para designar combate (Jalal, 2009).
Segundo o Ayatollah Seyyed Ali Farahi (2015), jihad pode ser compreendido como: 1) esforço (luta, combate) contra um governante tirano (interno à comunidade); 2) esforço (luta, combate) consigo mesmo; e 3) esforço (luta, combate) contra incrédulos estrangeiros.
O jihad é uma prerrogativa dentro do Islã e apresenta-se dividido em duas formas distintas de compreensão: o pequeno jihad (jihad al-asghar) — luta armada — e o grande jihad (jihad al-akbar) — esforço diário (Alagha, 2006). Enquanto o jihad maior refere-se à luta interior, ao esforço pessoal e espiritual do muçulmano para viver de acordo com os preceitos da fé, o jihad menor pode incluir a defesa da comunidade muçulmana contra ameaças e a luta armada sob condições e regras específicas. Essa distinção, entretanto, não é consensual entre os pensadores islâmicos. Autores como Sayyd Qutb (2006) rejeitam a ideia de que o Alcorão legitime tal dicotomia.
No Alcorão, a associação entre jihad e luta armada (jihad al-asghar) é menos frequente do que sua proibição. E, “a única forma de jahada mencionada no Corão como luta armada legítima é jihad fi sabil Allah – isto é jihad no caminho de Deus.” (JALAL, 2009, p. 19).
Firestone (1999) argumenta que, etimologicamente, jihad não se relaciona com guerra, mas sim com o esforço do coração, da língua e das ações. Por isso, é comum a explicação de que jihad representa o empenho diário do crente em se tornar um muçulmano melhor.
Compreender o conceito de jihad exige contextualização teológica e histórica, distinguindo entre princípios atemporais e prescrições temporais. Em sua essência, jihad, no contexto religioso, representa o esforço contínuo do crente para viver de acordo com os ensinamentos islâmicos.
Referências
FARAHI, Ayatollah Seyyed Ali. A study on Imam Hussein’s movement. Traduzido por Razieh Shivaei. Qom:Ansariyan, 2015.
ALAGHA, Joseph. The Shifts in Hizbullah’s Ideology: Religious Ideology, Political Ideology, and Political Program. Amsterdam: University Press, 2006.
COOK, David. Understanding Jihad. Berkeley: University of California Press, 2005.
FIRESTONE, Reuven. Jihad: The origin of Holy War in Islam. New York: Oxford University Press, 1999.
JALAL, Ayesha. Combatentes de Alá: a jihad no sul da Ásia. Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Larouse do Brasil, 2009.
QUTB, Sayyid. Milestones. Ma’alim fi’l-tareeq. Birmingham-England: Maktabh Booksellers and Publishers, 2006.

Patrícia Simone do Prado possui pós-doutorado em Ensino pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É Doutora em Relações Internacionais – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais com doutorado sanduíche no Líbano sob a supervisão do Prof. Dr. Joseph Alagha na Haigazian University. Mestra e especialista em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais e bacharel em Teologia pelo Seminário Batista do Estado de Minas Gerais. Pesquisadora nos grupos CEPRIR – Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (UEPB) , REDECLID (PUC Minas) e Educação, Ética e Diversidade (PUC Minas). É Professora Adjunta no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas. Principais temas de atuação: Religião e identidade; identidade étnico-racial; identidade de resistência; racismo religioso e intolerância; religião, educação e minorias; decolonialidade, interculturalidade e epistemologias do Sul; religião e política; Islã, política e educação; messianismo; xiismo; martírio; pedagogia do martírio.
