O ICArabe apresenta um novo verbete de sua série especial, iniciativa dedicada a ampliar o conhecimento sobre o mundo árabe por meio de informações aprofundadas e de fontes confiáveis. A série reforça o compromisso da instituição com a valorização do saber, o combate a estereótipos e a promoção de uma compreensão crítica e fundamentada da realidade árabe.
Confira a lista completa de verbetes neste link.
Aljamia
Aljamia (do árabe al-ʿajamiyya, “língua estrangeira, não árabe”). O termo deriva de ʿajam, vocábulo usado pelos árabes para designar povos e línguas não árabes, sobretudo os persas. De modo semelhante ao emprego grego e romano de “bárbaros” para nomear estrangeiros, al-ʿajam expressava a alteridade linguística e cultural. A partir desse radical formou-se al-ʿajamiyya, aportuguesada como aljamia, termo que se opunha a arabiyya, a língua árabe (LOPES, 1940, p. 8).
Na Península Ibérica medieval, aljamia passou a indicar textos escritos em vernáculos românicos por comunidades muçulmanas que utilizavam a escrita árabe para registrar línguas não árabes. Essa literatura desenvolveu-se sobretudo na Espanha, onde se concentrava a maior parte dos mouros desde a conquista islâmica de 711 d.C.. Embora não haja consenso sobre sua gênese, supõe-se que tenha surgido nos primeiros tempos da presença muçulmana. A hipótese baseia-se tanto na uniformização da grafia árabe do romance, alcançada no século XV, quanto no fato de que as línguas hispânicas, à época da chegada árabe, não apresentavam para eles um sistema gráfico adequado.
O auge da produção aljamiada ocorre após a tomada de Granada, em 1492, nos séculos XV e XVI, quando os mouros foram obrigados a converter-se ao cristianismo e a ocultar sua fé e sua língua. Com o endurecimento das restrições, muitos mudéjares — muçulmanos que permaneceram em territórios cristãos após as conquistas — deixaram de aprender o árabe falado, mas continuaram, secretamente, a estudar a escrita árabe para ler o Alcorão.
Privados do direito de usar publicamente a língua de seus antepassados, esses grupos recorreram à escrita árabe como forma de preservar sua identidade. A literatura aljamiada intensificou-se nesse contexto de vigilância e proibições, mantendo-se viva até a expulsão definitiva dos mouros, em 1609. Muitos estudiosos atribuem sua persistência ao caráter sagrado do árabe, entendido pelos muçulmanos como a língua da última revelação divina.
Bibliografia essencial:
Bakri, Chukri el, 1994. La aljamia: una cultura sin pretendientes. L’Opinion-Dimanche, Rabate, 27 fev., p. 6.
Carmelo, José Luís, 1999. A semiose aljamiada e o reverso do século de ouro ibérico. Disponível em: <http://web.ipn.pt/literatura/carmelo.htm.> Acesso em: 08 dez. 2005.
Lopes, David, 1897. Textos em aljamía portuguesa: Documentos para a história do domínio português em Safim. Lisboa: Imprensa Nacional, 150 pp.
______, 1940. Textos em aljamia portuguesa: Estudo filológico e histórico. Nova edição inteiramente refundida. Lisboa: Imprensa Nacional, 282 pp.
Molins, María Jesús Viguera, 2000. El manuscrito aljamiado de Urrea de Jalon. Disponível em: <http://www.alyamiah.com/cema/modules.php> Acesso em: 4 de junho de 2004, 10:39:51.
Paula, Frederico Mendes. A Escrita Aljamiada. 21 fev. 2014 Disponível em: https://historiasdeportugalemarrocos.com/2014/02/21/aljamia/. Acesso em: 10 nov. 2025.
Pidal, Ramón Menéndez, 1952. Poema de Yúçuf: Materiales para su estudio. Coleção Filológica I. Madri: Universidade de Granada, p. 11.
Teyssier, Paul, 1974. “Les textes en “Aljamia” portugaise: ce qu´ils nous, apprennent sur la prononciation du portugais au début du XVIe siècle”. Separata de Actas do XIV Congresso
https://historiasdeportugalemarrocos.com/2014/02/21/aljamia

Suely Ferreira Lima é Doutora pelo programa de Pós-graduação Estudos Judaicos e Árabes da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (2016), mestre em Letras (Letras Vernáculas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006), especialista em Língua Árabe (2002) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, graduada e licenciada em Letras Português-Árabe pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1986). Atualmente é professor Adjunto I na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coordenadora do curso de Especialização Lato Sensu Língua Árabe, atuando principalmente nos seguintes temas: língua árabe, o aspecto verbal árabe e o português, língua portuguesa, história, cultura e civilização árabes, aljamia portuguesa, tradução.
@suely.ferreiralima
