O ICArabe apresenta um novo verbete da série especial dedicada a ampliar o conhecimento sobre o mundo árabe. A iniciativa reafirma o compromisso do Instituto em oferecer informações confiáveis, valorizar a diversidade cultural e contribuir para a quebra de estereótipos, estimulando uma consciência crítica mais ampla na sociedade.
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Mahjar
O Mahjar (em árabe: المهجر, al-mahjar, “diáspora”) foi um movimento literário protagonizado por escritores árabes que emigraram para as Américas, especialmente do Líbano, da Síria e Palestina, que estavam sob domínio otomano entre o final do século XIX e o início do século XX. Influenciados pelo Romantismo europeu e pelo contato direto com o Ocidente, esses autores buscaram renovar a literatura árabe, dando continuidade aos ideais da Nahda (Renascença Árabe).
Nos Estados Unidos, o Mahjar floresceu por meio de figuras como Kahlil Gibran, considerado o mais influente poeta do movimento. Sua obra, marcada por espiritualidade e universalismo, alcançou projeção internacional, especialmente com o livro O Profeta (1923). Outros nomes como Ameen Rihani, Mikhail Naimy e Elia Abu Madi também contribuíram para a renovação estética e filosófica da literatura árabe, promovendo diálogos entre Oriente e Ocidente.
Na América Latina, o Brasil destacou-se como um dos principais centros de produção Mahjari. A imigração sírio-libanesa trouxe ao país não apenas comerciantes, mas também intelectuais que fundaram jornais, revistas e círculos literários. Em Campinas, surgiu em 1895 o Al-Fayha (Mundo Largo), primeiro jornal árabe do Brasil, seguido por Al-Brasil em Santos. Em São Paulo, esses veículos se fundiram e deram origem ao primeiro círculo literário árabe da América do Sul, o Riwaq al-Ma’arri, em 1900.
A imprensa árabe no Brasil chegou a contar com mais de 300 títulos, abordando temas como política, cultura e literatura. Escritores como Chafic Maluf, autor do emblemático Abqar (1936) e Elias Farhat destacaram-se por suas obras poéticas, que dialogavam com a tradição árabe e as experiências da diáspora. Revistas como Al Carmat (A Vinha) promoveram o intercâmbio cultural árabe-brasileiro.
O Mahjar, pelas Américas, revelou-se um espaço de resistência cultural, preservação da memória e construção de identidades híbridas. Sua influência permanece viva, inspirando escritores contemporâneos e sendo objeto de estudos acadêmicos que reconhecem sua relevância na história da literatura árabe moderna.
Fundada em 1932, na cidade de São Paulo, a Liga Andaluza de Letras Árabes (Al-Usba al-Andalusiyya) foi o mais importante grupo literário da comunidade árabe no Brasil durante o século XX. Composta por mais de trinta poetas e intelectuais sírio-libaneses, a Liga surgiu como parte do movimento Mahjar. Seu objetivo era promover a cultura árabe, preservar a língua e fomentar o intercâmbio intelectual entre o Oriente Médio e o Brasil.
A principal publicação da Liga foi a revista Al-Usbah (em português, A Liga), lançada em 1935 sob a direção de Habib Massoud, tornando-se um veículo essencial para a divulgação da literatura árabe moderna, em um momento em que o mundo árabe começava a se libertar de tradições literárias rígidas. Além de publicar textos de autores árabes da diáspora, a revista também traduziu e divulgou obras de escritores brasileiros. A revista Al-Usbah circulava tanto entre comunidades árabes no Brasil quanto em países árabes, sendo recebida com entusiasmo por leitores interessados na renovação estética e temática da literatura árabe. Ela contribuiu significativamente para o movimento da Renascença Árabe, ao oferecer um espaço de expressão para autores que viviam em condição diaspórica e buscavam reconstruir memórias e identidades por meio da escrita.
Mini bio
Alberto Sismondini (1961) é professor auxiliar na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e atua como docente de literatura brasileira. Fez doutorado em Literatura Comparada e Tradução Literária pela Università degli Studi di Siena (Itália – 2006). Publicou, entre outros, os livros I Cedri de Sertão (Florença, Le Lettere) e Arabia Brasilica (Cotia-SP, Ateliê). A sua investigação centra-se em literatura comparada, literatura brasileira e imagologia, com especial atenção a autores brasileiros de origem árabe e às relações culturais entre Brasil, Portugal e Itália.