O Instituto da Cultura Árabe – ICArabe apresenta mais um verbete da série especial dedicada a ampliar o conhecimento sobre o mundo árabe. A iniciativa reafirma o compromisso do Instituto com a disseminação de informação qualificada, pautada pela responsabilidade e pelo combate a estereótipos – um passo importante para a construção de uma sociedade mais informada e consciente.
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Drusos
O drusismo nasceu (1023) como uma dissenção do ismaelismo, este por sua vez já um ramo do xiismo. Al Akim, controvertido califa Fatímida que governava o Egito, criou a seita com o princípio de uma Razão universal ordenadora do mundo. À leitura do Corão, foram introduzidos o pensamento racionalista grego, escritos indianos, sufis e crenças esotéricas do antigo Egito. Com o assassinato de Al Akim e as perseguições sofridas, eles fecharam a comunidade em 1043 para outros adeptos e fugiram para as montanhas do Líbano, vindo a participar de seu povoamento ao lado dos sunitas e xiitas.
Os Tenuquitas, uma das primeiras tribos a se converter ao drusismo, formaram sua linhagem principal. Tribo guerreira vinda do Iêmen, já granjeava fama como “os defensores das montanhas” (Houmat al Toghur) para o controle da região na defesa de Damasco, então capital do califado Omíada. A partir do século XIV assumem o papel de “emires da montanha”, alcançando o auge de seu poder no século XVI. Fakhr Ad-Din II (1572-1635) é considerado o fundador do Líbano Moderno.
Seu furor no campo de batalha foi temido na história de suas guerras. O destemor da morte está ligado à sua crença na transmutação das almas entre a comunidade. Acreditam que a alma de um druso renasce somente em outro druso. Seus princípios morais baseiam-se na tradição árabe da honra, da justiça, na defesa da comunidade e de não recuar frente a um invasor ou a quem queira lhes humilhar. É reconhecida sua disposição de sustentar a quem lhes pede ajuda. Apesar de seu pequeno número, são reconhecidos pelo valor guerreiro nas lutas nacionalistas. A revolução contra os franceses em 1924 na Síria, comandada por Soultan Pacha al Atrash de Sweida, teve início em resposta a estes princípios.
A iniciação de um religioso é rígida eticamente e guiada por um sheikh mestre em seus segredos e nos seus códigos de significados esotéricos, interditados ao cidadão comum. Cada família recebe apenas os ensinamentos básicos contidos em um catecismo, extraído dos Capítulos da Sabedoria, a herança deixada por Al Akim, e que são guardadas em ferrenho segredo. Muitos colonizadores estrangeiros foram mortos ao se apossarem dessas escrituras. Se declaram muçulmanos, mas não praticam a peregrinação à Meca nem frequentam mesquitas. O grupo defende a separação entre o Estado e a religião.
Supõe-se que a população da etnia alcance um milhão e meio de elementos, repartidos como uma federação autônoma entre o Líbano (que abriga seu centro religioso principal em Hasbaya), Síria, Jordânia (poucos) e Israel (perfeitamente reconhecidos e integrados, com aproximadamente 60.000 combatentes no seu exército). O paradoxo de haver soldados drusos nas forças de Israel é fruto de uma mensagem contida nos escritos de Al Akim: “Onde vocês estiverem sirvam, apoiem aos mais fortes e não se esqueçam de mim”.
Os crimes coletivos perpetrados nos conflitos com a comunidade maronita no ano de 1860 estão gravados na memória social libanesa e chegaram mesmo a concorrer para os combates nas montanhas durante a guerra civil de 1975-1990. O estigma que carregam como perigosos faz com que muitos libaneses não conheçam suas regiões (por medo, preconceito ou por ódio). Se intitulam como os “Banu Maarouf”, os filhos do bom gesto. “Empregar o gesto forte com coragem e firmeza quando é necessário, e a bondade quando isso é razoável”, palavras de Kamal Joumblat, o pranteado líder assassinado em atentado de 1977.

Jamil Zugueib é professor aposentado do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, onde coordena o Centro de Estudos dos Processos Identitários, das Crises e da Cultura Arábe. Tem doutorado e pós-doutorado no campo do trauma social, das identidades e da violência sob o olhar da psicanálise. Autor de “Identidades e crises sociais na contemporaneidade” (2005. Ed. UFPR), “Trauma, traços e memória” (2013. Ed. CRV) e “Psicanálise, Catástrofe Social e o Trauma: Resistência e Resiliência da Comunidade Xiita do Sul do Líbano aos Bombardeios de Israel em 2006” (2023, Ed. UFPR). Suas pesquisas desenvolvem-se no Brasil, no Líbano e na Síria junto às comunidades drusa e xiíta.
