A Causa Nacional Palestina... (3 de 7)

Sáb, 24/11/2007 - 22:00

A Guerra do Golfo

A nova conjuntura de crise que surgira no início da década de 90 no Oriente Médio tratava-se da invasão do Kuwait pelo Iraque de Saddam Hussein em agosto de 1990 e de seus desdobramentos, isto é, a “Guerra do Golfo” de 1991.A nova conjuntura de crise que surgira no início da década de 90 no Oriente Médio tratava-se da invasão do Kuwait pelo Iraque de Saddam Hussein em agosto de 1990 e de seus desdobramentos, isto é, a “Guerra do Golfo” de 1991. Já os interesses dos EUA ameaçados por esse conflito eram especialmente três: 1) a política de contenção da influência soviética na região e no mundo; 2) a proteção a Israel; e 3) o acesso ao petróleo. Diante desse problema, o interesse mais diretamente ameaçado era o do acesso aos recursos energéticos, sobretudo ao petróleo da região do Golfo Pérsico, onde ficava o Kuwait invadido. As alegações de Bagdá contra o Kuwait, a fim de justificarem sua invasão, eram as seguintes: a diminuição do preço do óleo cru no mercado internacional graças à superprodução kuwaitiana, que teria ultrapassado a quota permitida pela OPEP1, reduzindo a participação e, portanto, a renda iraquiana; o fato de que o Kuwait seria uma décima nona província iraquiana renegada, e que a fronteira fora estabelecida de modo a prejudicar a segurança e os interesses marítimos iraquianos (como o acesso ao golfo Pérsico); o roubo de petróleo iraquiano praticado pelo Kuwait nessa fronteira; a acusação iraquiana de o Kuwait ser um “agente do imperialismo”; e o pedido de intervenção iraquiano feito por um “movimento popular” de oposição ao governo kuwaitiano. Contudo, o que realmente importa saber diz respeito a quando e por que essas justificativas se materializaram e adquiriram tamanha repercussão. Para isso, é preciso considerar fatores regionais, internos e internacionais que são determinantes para uma razoável compreensão do que seria a chamada “guerra do Golfo”, bem como de seus resultados e conseqüências. Os aspectos regionais envolvidos na invasão do Kuwait pelo Iraque relacionavam-se com a busca de liderança (socialista e nacionalista) pelo regime do partido Baath no Oriente Médio árabe, especialmente após a guinada conservadora realizada pelo Egito de Anuar Sadat nos anos 1970 e pelo aprofundamento das relações comerciais dos EUA com a Arábia Saudita e as monarquias árabes do golfo Pérsico. Saddam Hussein afirmara que a investida contra o Kuwait e os árabes conservadores e de “direita” era um passo na direção da libertação da Palestina (numa época em que a Intifada estava no seu auge), e isso mobilizava apoio popular árabe e muçulmano. Os fatores internos para a incursão iraquiana no vizinho Kuwait talvez tenham sido mais decisivos. A insatisfação popular iraquiana ao fim da primeira guerra do Golfo, a chamada “guerra Irã-Iraque” (1980-88), era evidente, sobretudo devido ao elevado número de prisioneiros mantidos em celas iranianas e das inúmeras baixas ocorridas durante o longo conflito. Ademais, o endividamento do Estado iraquiano e o empobrecimento sócio-econômico eram generalizados e crescentes após a guerra. Por fim, a resolução 598 do Conselho de Segurança da ONU, buscava determinar, sob pressão iraniana, qual dos dois Estados fora o responsável pelo início das hostilidades, e essa imputação começava a pesar sobre o Iraque. Sobre os elementos externos envolvidos, deve-se mencionar o tipo de percepção que o governo iraquiano teve nesse momento sobre uma ordem internacional ainda pautada pelo espectro da Guerra Fria, embora, conforme referimos no artigo anterior, os indícios do seu fim já se mostrassem presentes há quase uma década. Por um lado, poderia argumentar-se que Saddam invadiu o Kuwait justamente porque a Guerra Fria havia terminado, a fim de evitar sofrer ameaças ou pressões, por parte dos EUA e da URSS, para “democratizar” o país e, assim, poder manter a imunidade de seu governo. A queda dos regimes pró-soviéticos do leste europeu em 1989 e declarações estadunidenses de que o Iraque poderia ser o “primeiro exemplo de ‘país democrático’ no Oriente Médio árabe” podem ter sido elementos decisivos de um cenário mundial de pós-Guerra Fria que teriam estimulado Saddam a agir. Por outro lado, talvez essa tendência não estivesse tão clara segundo a ótica do regime iraquiano que, ainda raciocinando sob uma conjuntura de enfrentamento leste-oeste, teria decidido pela campanha bélica, possivelmente esperando obter um potencial apoio soviético à invasão aliado a uma atitude de não-intervenção dos EUA. De fato, não podemos deixar de lembrar que o Iraque de Saddam Hussein e do regime do partido Baath, representantes remanescentes do socialismo árabe nacionalista dos anos 1960-80, haviam sido os paladinos, no Oriente Médio, na defesa dos interesses, tanto dos EUA como da URSS, na guerra travada durante oito longos anos contra o Irã pós-revolucionário e islâmico. De todos modos, o Iraque invadiu o Kuwait. E, apesar de todas as pressões e ultimatos impostos pela comunidade internacional e pelos EUA (inclusive através da aprovação de sanções econômicas pela ONU) para que Saddam se retirasse do emirado, em janeiro de 1991, diante da negativa iraquiana de abandonar o território kuwaitiano, uma aliança militar liderada pelos EUA e pela Inglaterra, com o apoio de alguns países árabes, inicia os ataques. A URSS não se alinhou completamente a essa coalizão, embora tenha votado a favor das resoluções da ONU que determinavam as sanções ao Iraque. Em fevereiro, após o fim da “guerra do Golfo”, teve início o embargo político-econômico da ONU contra o Iraque, que duraria 12 anos, e cujas conseqüências humanitárias e sociais seriam trágicas para a sua população. Ao longo de 1991, e especialmente após a extinção da URSS em dezembro, a chamada “Nova Ordem Mundial” passaria a ditar os rumos de um sistema internacional mais do que nunca “unipolar”, pois liderado pelos EUA, que viram a possibilidade (e a necessidade) de incluir, nessa nova agenda mundial, o Oriente Médio. Assim, os EUA resolveram consolidar e assegurar sua hegemonia nessa região, através da implantação de duas políticas principais, que buscavam proteger já não mais aqueles três interesses vitais a que nos referíamos e que tinham sido ameaçados pela guerra do Golfo, mas tão somente os dois restantes, pois o primeiro deles (o fim da URSS), como vimos, já havia sido suprimido. Assim, impunha-se a resolução do segundo e terceiro impasses: o conflito árabe-israelense e a causa nacional palestina; e a questão energética (petróleo e gás). 1 A Organização dos Países Exportadores de Petróleo foi criada em 1961 para coordenar e estabelecer as políticas de seus Estados-membros relativas à produção e distribuição de hidrocarbonetos e seus derivados.