Pensar as Geografias

Ter, 23/10/2007 - 00:00
"Andaluz é uma ilha extensa, medindo um pouco menos de um mês de marcha, de comprimento, e vinte e tantos dias de largura. É rica em rios e mananciais, repleta de árvores e plantas de todo feitio e suprida com tudo que acrescente conforto à vida. A comida é farta, devido também à fertilidade da terra, que rende toda a espécie de grãos, vegetais e frutas, assim como à quantidade e qualidade de suas pastagens, nas quais inúmeros rebanhos pastam...". Ibn Haukal Annassibi assim descreveu o Alandaluz. O campo de estudos que se denominou geografia foi a princípio associado a um inventário sistemático de terras e povos, em geral descritivo e descompromissado. Contam que os árabes alandaluzes pensavam a geografia de forma análoga à sabedoria grega: assim como a história e o teatro, a geografia se diluía na filosofia, como reflexão simultânea ao viver. O testemunho espacial da natureza e da história era referencial de conhecimento. Um poder. De Bagdá, a circular cidade da Paz, chegavam vários trabalhos. No Alandaluz, Ahmad ibn Muhammad al-Razi selecionou aspectos geográficos básicos e Muhammad ibn Yusuf al-Warraq elaborou uma descrição topográfica do norte da África. Al-Bakri, ministro da corte de Sevilha, lingüista e literato, pesquisou sobre a geografia da península arábica. Muito respeitado, Ibn Battuta perambulou por 28 anos e organizou suas observações de viagens: povos, lugares, navegação, rotas de caravanas, estradas e locais de hospedagem. Al-Idrisi viajou e lançou âncora na Sicília. Ali escreveu sobre a geografia do mundo, apadrinhado por Roger II, o rei normando. O conteúdo deste trabalho, conhecido como o Livro de Roger, foi gravado num planisfério de prata, um mapa em disco considerado uma das maravilhas da época. A partir do século XVI, com o desenvolvimento do absolutismo-mercantilismo, a geografia passou a contribuir para a administração do Estado. Estratégias traçadas, nada havia de neutro na reflexão sobre a ciência do espaço. Comprometido com intenções e projetos era o saber da direção dos ventos, da posição das estrelas, do relevo das costas, das riquezas da terra e da gente. Distâncias e orientação rumo ao desconhecido. Um trunfo. Antes de árabes, judeus e ciganos serem expulsos de Alandaluz, armadores franceses de Dieppe, holandeses e ingleses enviavam espiões para o nascente Estado português. De olho na Escola de Sagres, no conhecimento mais recente, esses observadores tentaram extrair o possível dos pioneiros viajantes do oceano. Mas o mar sem fim seria português: "... E ao imenso e possivel oceano Ensinam estas quinas, que aqui vês, Que o mar com fim será grego ou romano: O mar sem fim é português". (trecho de "Padrão", Fernando Pessoa)