Rumo à escalada do conflito no Oriente Médio
A nova onda de violência que atingiu o Líbano não é um problema localizado, mas parte de um conflito muito mais amplo, em que Israel e o Hizbollah não são mais do que protagonistas menores. Os ataques do grupo radical libanês, assim como a desproporcional reação israelense, inserem-se nos movimentos mais amplos da geopolítica mundial – mais especificamente, a oposição entre Estados Unidos e Irã, que parece estar prestes a se tornar um conflito real e não apenas retórico. Examinemos os interesses de ambos para avaliar o verdadeiro perigo de escalada do confronto.
Da parte do Irã, percebe-se que o presidente Mahmoud Ahmadinejad vê o momento atual como propício para se desafiar a grande potência ocidental, pois os Estados Unidos não teriam capacidade de se envolver em uma terceira frente de combate. De fato, nota-se que as forças armadas dos Estados Unidos têm quase a totalidade de suas tropas disponíveis envolvidas na ocupação do Afeganistão e do Iraque, e vêm encontrando dificuldades para completar o requerimento anual de novos soldados; além disso, o país está prestes a enfrentar uma grave crise econômica devido aos altos “déficits gêmeos” – provocados, em grande medida, por estas mesmas guerras (note-se especialmente, além do custo militar da guerra, a escalada dos preços do petróleo, produto vital à economia estadunidense).
Segundo o raciocínio do presidente iraniano, ademais, faltam na região líderes dispostos a enfrentar cara-a-cara o “grande Satã” do Ocidente – foi-se o tempo de Naser, Al-Asad e Hussein, e mesmo o ex-inimigo Kadafi domesticou-se e passou a ser mais um cliente dos Estados Unidos; nos demais países do Oriente Médio, monarquias corruptas têm na exportação do petróleo aos Estados Unidos e Europa a garantia de sua manutenção no poder; e os palestinos encontram-se desunidos e na busca de uma liderança que conduza sua luta contra a ocupação sionista. Para Ahmadinejad, a escalada do confronto, com a inevitável e desproporcional reação israelense, poderia ser um grande pretexto para unir sob sua liderança as populações árabes e islâmicas do Oriente Médio que se opõem aos Estados Unidos e a Israel.
Da parte do governo George W. Bush, o momento também é adequado para “acertar contas” com seus velhos antagonistas – Síria e Irã. Os ataques do Hizbollah a Israel, realizados com mísseis iranianos transportados através da Síria, seriam a justificativa perfeita para colocar em prática o plano há muitos meses projetado pelos ideólogos estadunidenses, visando a derrubada dos regimes sírio e iraniano. Dessa forma, se completaria o controle dos Estados Unidos sobre todo o Oriente Médio – ou seja: o controle das duas maiores reservas energéticas do mundo: o Mar Cáspio e o Golfo Pérsico.
É evidente, porém, que da teoria à realidade há uma grande distância, sobretudo se a teoria não é embasada no senso comum e na racionalidade, mas em crenças fundamentalistas e antagonismos emocionais. O raciocínio de Ahmadinejad esbarra na realidade que seu governo, ao entrar em guerra aberta com os Estados Unidos, terá os dias contados. A capacidade destrutiva destes, por meio de seus mísseis e bombardeios aéreos, é suficiente para fazer o Irã voltar 30 anos no tempo, destruindo imediatamente todos os seus centros de poder, assim como foi feito com o Iraque. Isso não significa dizer que os estadunidenses venceriam mais esta guerra – apenas que destruiriam a infra-estrutura e as instituições políticas iranianas, causando o caos em mais um país da região. Dessa forma, não seria muito vantajoso ser o “herói” dos muçulmanos e árabes descontentes com o “ocidente satânico”.
O raciocínio de George W. Bush, por outro lado, é igualmente perigoso, pois ataques aéreos ao Irã e Síria não colocariam a população destes países contra seus governos, como supõem exercícios elaborados pelo Pentágono, porém desencadeariam justamente o efeito contrário, provocando a aliança dos setores moderados e radicais da população iraniana e síria contra a agressão estadunidense. Além disso, mal se pode dizer que os Estados Unidos obtiveram o controle do Afeganistão e do Iraque. O primeiro, após quase cinco anos de ocupação, permanece em constante situação de insegurança; o ópio voltou a ser o principal produto de exportação do país; a milícia Talebã volta a atuar e controla partes do sul do país; e a cada mês uma quantidade maior de soldados da “coalizão” é morta ou ferida nos combates com os “terroristas”.
Já no Iraque, apesar da presença de cerca de 130.000 soldados estadunidenses (e 30.000 de outras nacionalidades), e do aparente funcionamento do sistema “democrático” implantado pelos EUA, a situação de insegurança agrava-se a cada dia; a infra-estrutura do país encontra-se totalmente destruída, faltam energia e água para a população; as facções políticas e religiosas encontram-se em guerra civil; e nem mesmo o petróleo, principal objetivo da Doutrina Bush, vem sendo regularmente exportado devido aos freqüentes ataques às instalações petrolíferas. Além disso, no Iraque se formou uma verdadeira “escola de terroristas” dispostos a agir contra os “assassinos infiéis”: ali, as perdas humanas chegam a mais de 60.000, após três anos de guerra.
Não bastassem os problemas para assegurar o controle nas duas principais frentes de combate, a crise social e econômica nos Estados Unidos avizinha-se, e a abertura de uma terceira frente – contra um inimigo bem mais forte do que foram Afeganistão ou Iraque – poderia ser a gota d’água para o colapso.
Pensadores políticos dotados de pragmatismo não deveriam levar a sério as ameaças dos dois líderes fundamentalistas, pois a concretização dessas ameaças equivaleria a um suicídio mútuo – lembre-se que foi a consciência desta possibilidade que manteve a paz entre EUA e URSS ao longo dos anos da Guerra Fria. As atitudes já tomadas por Mahmoud Ahmadinejad e por George W. Bush, porém, nos levam a ter calafrios supondo o desenrolar do conflito, pois o que mais faltou na política destes líderes, nos últimos anos, foi o bom-senso.