Sírios e libaneses em Juiz de Fora

Qui, 09/03/2006 - 21:00

Juiz de Fora não viveu uma situação tão diferente da ocorrida em outros centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, no que diz respeito à inserção e adaptação de imigrantes sírios e libaneses e seus descendentes na sociedade. Considerada como cosmopolita e avançada para sua época, a chamada “Manchester Mineira” tinha a presença de escolas, inúmeros jornais...Juiz de Fora não viveu uma situação tão diferente da ocorrida em outros centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, no que diz respeito à inserção e adaptação de imigrantes sírios e libaneses e seus descendentes na sociedade. Considerada como cosmopolita e avançada para sua época, a chamada “Manchester Mineira” tinha a presença de escolas, inúmeros jornais, companhias teatrais e instituições culturais que ajudavam a tornar seu espaço diferente das outras cidades coloniais mineiras. Essa paisagem nova delineada em Juiz de Fora fez parte de um projeto modernizador implantado por fazendeiros e industriais a fim de terem um maior controle do espaço urbano, influenciando também em seu desenvolvimento industrial. Outro fator que tornou possível esta característica inovadora é a proximidade geográfica com o Rio de Janeiro, além da existência da estrada de rodagem União Indústria e da estrada de ferro Central do Brasil, que facilitavam as viagens à capital e as trocas culturais entre as duas cidades. Ambas passavam por um momento de Belle Èpoque , em que visavam o progresso, civilização e a inovação em última instância. A expansão urbana da cidade se iniciou em 1860 e o desenvolvimento industrial se tornou latente a partir de 1870, financiado principalmente pelos capitais advindos da cafeicultura, que precisava de uma diversificação urbano-industrial para atender suas necessidades básicas. É nesse ambiente em que se inserem os imigrantes sírios e libaneses, que foram atraídos pelo cosmopolitismo, urbanização e industrialização crescente, além da facilidade de se chegar a Juiz de Fora (para aqueles que aportavam no Rio de Janeiro), devido a presença da estrada de rodagem e da estrada de ferro. Imigrantes independentes, buscando viver e trabalhar de forma autônoma, tinham espaço para se desenvolverem nesta cidade em crescimento. Já no censo de 1893, há a presença de 27 árabes no perímetro da cidade. Libaneses e sírios chegaram em períodos diferentes a Juiz de Fora. Os primeiros começaram a se instalar em 1894 (segundo trabalho de outros historiadores, embora tenhamos no censo de 1893 a presença de árabes), e vieram de várias cidades como Beirute, Butchai, dentre outras. Já o segundo grupo começou a chegar em 1913, emigrando em sua maior parte da cidade de Yabroud. O perfil dos imigrantes em Juiz de Fora é comum com o de várias regiões do Brasil. Geralmente homens, solteiros, de 16 a 23 anos, que vinham com o objetivo de ganhar a vida e retornar. Mantinham relações com a terra natal enviando dinheiro, buscando suas noivas, trazendo parentes para ajudarem no trabalho. Primeiramente viviam como mascates, mas com o tempo, e percebendo que não retornariam para sua cidade de origem, juntavam um pecúlio e investiam em lojas (como, por exemplo, a Casa Combate, Loja Síria, Casa Cruz Vermelha, Casa Chic, dentre outras), que se situavam principalmente na parte baixa da rua Marechal Deodoro, próxima à linha de trem, onde trabalhavam e viviam (nos fundos de seus negócios ou no segundo andar). Houve aqueles que conseguiram montar pequenas fábricas, principalmente de meias, como a Fábrica de Meias Santa Rosa, a Malharia São Lucas, a Malharia Peixinho, etc. Essas indústrias têxteis ajudaram a transformar Juiz de Fora em um pólo referencial de malhas. Alguns conseguiram ascender socialmente, indo de mascates a pequenos lojistas e até mesmo dono de fábricas, outros não. Mas a relação entre sírios e libaneses e juizforanos não foi sempre pacífica. Os mascates sofreram sérias restrições para comercializar seus produtos. As leis locais eram muitas vezes severas, a fim de controlá-los na sociedade. Tentando impedir sua proliferação impunham altos impostos, por exemplo. Muitos comerciantes se sentiam ameaçados por estes mascates, que não pagavam taxas e nem tinham custos com funcionários e aluguel de loja (já que trabalhavam pelas ruas e estradas), e reclamavam, usando quase sempre do preconceito para atacá-los, insinuando que estes mascates faziam qualquer negócio para enriquecerem. Mas estando devidamente licenciados, o conflito se mostrava em menor grau. Diversos imigrantes investiram na formação de seus filhos. Até a década de 1960, dirigiam-se, em sua maioria, aos cursos no Rio de Janeiro. Após a década de 1960, foi criada a Universidade Federal de Juiz de Fora, que se tornou pólo no ensino superior da Zona da Mata Mineira. Até este período, a cidade oferecia poucas possibilidades nas áreas de ensino superior. As áreas mais procuradas eram Medicina , Direito e Engenharia. As famílias buscavam a ascensão social com esta medida. Observamos que na terceira geração, os descendentes foram se integrando e as trocas culturais ocorrendo . Na gastronomia, na língua, nos casamentos (antes muito fechados na colônia e, posteriormente, nas segundas e terceiras gerações, tornou-se mais freqüente enlaces matrimoniais com juizforanos e outros estrangeiros) e principalmente na religião. É na religião que podemos perceber o maior contato destes imigrantes e seus descendentes com a população local, pois os libaneses, por exemplo, faziam suas missas na Igreja São Sebastião junto com os moradores locais. Os sírios conseguiram construir sua Igreja própria, a Melquita Católica de São Jorge (só existente em mais outras quatro cidades brasileiras), tendo como fiéis não só descendentes de imigrantes, mas também muitos juizforanos. Os sírios e libaneses conseguiram imprimir a marca de suas culturas em vários recantos do país. Mesmo sendo considerados exóticos, diferentes, foram capazes de se inserir na sociedade, em um processo lento, claro, contribuindo para a diversidade cultural brasileira. De mascates a pequenos lojistas, e alguns a industriais. De uma cultura e tradições fechadas na colônia, para uma relação próxima com os nacionais. Do Oriente para o Ocidente. Eis aqui um pequeno trecho da história marcante destes imigrantes que trouxeram em sua bagagem uma parte árabe para os trópicos.