Um dia de Oriente Médio em Londres
As ações do último dia 7 de julho, que mataram mais de 50 pessoas em Londres, capital da Inglaterra, foram abomináveis. Em plena hora do rush, um ataque desferido contra pessoas inocentes não poderia senão provocar a ira de todos aqueles que acreditam nos direitos humanos e defendem a coexistência pacífica entre os povos de diversas culturas.
A notícia que correu logo após as explosões foi a de que, provavelmente, os atentados teriam sido cometidos por grupos islâmicos radicais, grupos estes que usam e instrumentalizam a mensagem do Alcorão, livro sagrado para os muçulmanos, com o objetivo de cometer atos violentos.
Diferente da opinião da mídia de modo geral, esses grupos não nascem do vazio, não são conseqüência de uma irracionalidade inexplicável atribuída ao seu fanatismo. Essas posições radicais nascem, de um lado, dentro de sociedades de regimes ditatoriais, apoiados durante mais de cinco décadas pelos governos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Por outro, surge do apoio cego que estas duas nações dão ao Estado sionista de Israel, principalmente os estadunidenses.
Há cerca de dois anos, mais especificamente no dia 21 de março de 2003, tropas lideradas pelos Estados Unidos, e tendo como grande aliado o Estado comandado por Tony Blair, começaram aquela que seria uma longa incursão militar ao Iraque, que já custou a vida de mais de 200 mil iraquianos civis e militares, além de vida de soldados da ocupação. A invasão das duas potências foi justificada por mentiras criadas pelos senhores Bush e Blair, como as armas de destruição em massa e as ligações do governo de Saddam Hussein com organizações terroristas. Justificativas estas que mais tarde foram desqualificadas pelas comissões criadas pelos dois mandatários, além de vários documentários produzidos em ambos os países, por produtores independentes.
A solução oferecida pelos Estados Unidos e Inglaterra ao Iraque foi um governo-fantoche, que pudesse manter a estabilidade social. Fracassaram. A solução de aparências foi rejeitada por grande parte da população. A violência no país é um retrato da insatisfação da ingerência estrangeira no país.
A morte da população iraquiana, palestina e afegã (país muçulmano, mas não árabe), lamentavelmente não encontra na mídia ocidental a mesma rejeição quando da morte de civis ocidentais, como se esta pessoas fossem seres de segunda categoria.
Da mesma maneira que o Sr. José María Aznar, ex - primeiro ministro da Espanha, Blair, como fiel escudeiro de Bush, representa para grande parte das sociedades que compõem o Mundo árabe e islâmico a opressão das grandes potências. Opressão esta representada pela exploração de suas riquezas naturais, destruição de suas cidades e países, e o mais grave, a morte de suas cidades, sem que isto represente necessidade de nenhuma comissão, como aquela que se observa após um atentado em qualquer cidade das nações que cometem estas atrocidades contra estas populações.
A sociedade inglesa sofre, como sofreu a população espanhola, as conseqüências das políticas desastrosas daqueles que deveriam representá-las. A despeito da maior manifestação contra a guerra no Ocidente ter se dado exatamente em Londres, onde juntou cerca de um milhão de pessoas, o Sr. Blair foi reeleito para o cargo, apesar da grande mentira para justificar a guerra contra uma nação soberana e membro fundadora das Nações Unidas.
Como bem lembrou o escritor jornalista paquistanês Tariq Ali, os atentados não foram cometidos em Paris ou Berlim, mas em Londres, um dos pontos que representam para milhões de árabes e muçulmanos o eixo da opressão, que se completa em Washington e tem seu posto mais avançado em Tel-Aviv.
A mobilização que serve para compartilhar a dor dos ingleses deveria ser a mesma aos iraquianos, palestinos e afegãos. Deveria servir para forçar a saída das tropas lideradas pelos Estados Unidos, apoiadas por Blair, tanto do Iraque como do Afeganistão. E talvez o mais importante, essa mesma mobilização deveria servir para forçar Israel a sair dos territórios ocupados que privam milhões de palestinos de ter uma terra, em sua terra.
Se há sociedades que entendem a dor dos ingleses, essas são as sociedades árabes. Londres viveu um dia de Jerusalém, Bagdad ou Cabul. Por um momento, os londrinos entenderam o sentimento de invasão, de perda, de expoliação, de perseguição, de roubo da vida, de indignação e de humilhação por que passam a cada dia milhões e milhões de árabes, muçulmanos ou não.