Vitória do povo libanês
Quem ganhou as eleições do último dia 7 de junho foi o povo libanês. Foi às urnas, às vezes aguardando horas, mas votou. O sistema eleitoral é falho, sujeito a divisões confessionais e tribais, votos de cabresto e comprados, mas foi uma demonstração de democracia que representou um tapa na cara de muitos regimes árabes e muçulmanos que vêm sendo paparicados pelos Estados Unidos, além dos que se escondem por trás deste, como o Estado sionista.
A vitória é dos libaneses e querer dizer que prevaleceu o apoio deste ou daquele outro país (Estados Unidos, Irã, etc.) como ganhador ou perdedor tira deles os seus méritos. O Líbano merece que ninguém se intrometa em sua vida, o Líbano precisa voltar ao entendimento nacional de Bichara El-Khouri e Riyad El-Solh e a uma reforma política de base.
Em uma eleição onde uma frente ganha 55% das cadeiras e a outra ultrapassa a primeira por 100.000 votos obtendo aproximadamente 45%, não se pode dizer dela que um ganhou e o outro perdeu. A aprovação de tudo o que for proposto na Casa Legislativa libanesa está agora pendendo para o voto de dois ou três deputados que entendam votar a favor ou contra determinada medida num Legislativo que tem 128 deputados (não há Senado no Líbano).
Nada mudou, principalmente se for levado em consideração que os xiitas de Hasan Nasrallah e os maronitas de Michel Aoun deverão certamente participar do governo, ou então voltaremos aos malditos tempos do domínio de um governo ilegal presidido por Fouad Siniora. O Presidente Michel Suleiman sabe disto e já trabalha, desde muito antes das eleições, para organizar um governo de entendimento nacional, independentemente de quem tivesse a maioria das cadeiras.
No entanto, vale a pena apontar quem foram os perdedores externos nessas eleições. Joseph “Joe” Biden, o vice-presidente dos Estados Unidos, e pela primeira vez em 26 anos para um ocupante deste cargo, foi ao Líbano apoiar abertamente a coalizão 14 de Março, que detinha a maioria no governo. A Secretária de Estado, Hillary Clinton, chegou a discursar a favor do 14. Estes foram os perdedores externos.
Ao se falar do Oriente Médio, nas últimas seis décadas, o assunto gira principalmente em torno do conflito árabe-sionista, mas na presente etapa, o contorno político da região pode ser definido por uma “guerra fria” e nem tanto surda entre Irã e Síria, e seus aliados Hizbullah e Hamas de um lado, contra Arábia Saudita, Jordânia e Egito, com apoio dos Estados Unidos e até mesmo do Estado sionista.
A linha desta tortuosa “guerra fria” certamente passa pelo Líbano, pelas recentes eleições e pela formação do governo delas resultante. O povo libanês e o presidente Suleiman saberão cuidar dos interesses libaneses.
A análise das últimas eleições jamais poderia deixar de atentar para as religiões e as consequentes subdivisões que fazem parte da política do país dos cedros, além de fazer uma especulação no caso de os partidos “políticos” não representarem, por sua vez, facções religiosas ou então organizações criadas para manter no poder os senhores feudais ou aqueles por estes indicados, e, se assim fosse, pensarmos que a vitória do povo libanês seria maior.
Com a reforma política, para acabar com a divisão confessional instituída por potências estrangeiras e da qual participaram desde o Império da Rússia e o Império Otomano até a França, em 1860, os verdadeiros partidos políticos, despidos de pertencimento confessional ou feudal, elegeriam os seus representantes sem estas pechas que tornam o Líbano um país onde um greco-ortodoxo, por exemplo, por mais méritos que tenha, jamais poderá ser presidente da República ou primeiro-ministro. Se um determinado técnico especializado pretendesse um cargo de engenheiro eletricista na companhia de energia libanesa teria que partilhar sua nomeação por mérito com mais dois ou três outros, não necessariamente engenheiros, para igualar a divisão de cargos entre religiões. Uma vergonha!
O Líbano deve se libertar de tudo isto. E pasmem aqueles que atribuem derrota à oposição libanesa formada pelo Hizbullah e seus aliados, são exatamente estes que lutam pela reforma política, principalmente para desconfessionalizar o Líbano, para que se torne, de fato, a pátria de todos os libaneses e não de vendilhões da pátria, senhores feudais perpetuando a subordinação do povo ou religiosos ocos de fé que buscam o poder.