Líbano, Brasil e bombas de fragmentação

Qua, 08/09/2010 - 17:09
Para muitos, a ofensiva militar do exército israelense contra o território libanês em 2006 se tornou mais um capítulo infeliz que já pertence ao passado. Porém, essa guerra continua afetando a vida de centenas de pessoas inocentes.

Infelizmente, o número de vítimas aumenta semanalmente. A história do jovem Ali, de 19 anos, que foi recentemente contada pela rede de notícias Al Jazeera, foi mais um triste exemplo de uma vítima de um armamento que atinge maioritariamente pessoas inocentes: as bombas de fragmentação. Os pais de Ali explicaram que seu filho estava apanhando uvas em sua pequena fazenda localizada no sul do Líbano quando, subitamente, uma poderosa explosão terminou com sua vida. Assim como o jovem Ali, outros 350 libaneses já foram vítimas de bombas de fragmentação (conhecida em inglês como bomba cluster, que significa "bomba em cacho") desde o final da guerra, em agosto de 2006.

A verdade é que a bomba de fragmentação é uma "bomba burra", como são descritas em meios militares bombas que não têm nenhuma precisão ou sistema eletrônicos que as teleguia até o alvo inimigo. Este armamento é um míssil que, ao ser lançado de uma aeronave ou de uma unidade móvel, se desmonta em pedaços no ar para formar uma série de mini-explosivos parecidos com granadas ou minas (geralmente, cada míssil dá origem a mais de 2 mil fragmentos). Essas granadas se espalham pelo terreno onde são lançadas (em média, podem cobrir até 8 campos de futebol). Dessas granadas, muitas não detonam ao entrar em contato com o solo e só vão explodir com o contato humano. Assim, não é difícil imaginar que muitas das vítimas, num segundo momento, acabam sendo civis que voltam para suas terras depois que terminam as hostilidades do conflito. De acordo com a Danish Church Aid, uma ONG que trabalha com crianças vítimas de bombas de fragmentação no Líbano, quase um terço das mortes são de crianças que, por serem mais curiosas, são atraídas por objetos diferentes que se encontram no chão.

Durante os ataques de 2006, calcula-se que o exército israelense tenha espalhado um total de quatro milhões dessas pequenas bombas apenas no sul do Líbano. A região que sofreu a maior parte dos ataques foram as terras ao sul da cidade de Nabatiyeh. De acordo com o UNMACC (Ação Contra Minas da ONU), 970 zonas foram consideradas perigosas e algumas áreas estão com o acesso proibido até hoje, o que impede fazendeiros de terem acesso a suas próprias terras, base de sua subsistência.

O triste caso das bombas de fragmentação no Líbano fez com que o governo da Noruega iniciasse um movimento para bani-las, dando início, assim, à Convenção Sobre Bombas de Fragmentação com o objetivo de eliminar este armamento dos conflitos armados atuais. Hoje, 108 países já assinaram a convenção. No dia 1º de agosto de 2010, a Convenção entrou em vigor, tornando as bombas de fragmentação uma armamento proibido de ser estocado, produzido ou exportado.

Surpreendentemente, o Brasil é um dos poucos países que ainda não assinou a Convenção. Mais surpreendente ainda é o fato de que o Brasil é um únicos países no mundo que ainda produz, estoca e exporta este tipo de armamento, sobretudo, para o Oriente Médio. E não só exporta, mas também possui este tipo de armamento em seu arsenal militar. São eles o sistema Astros II, produzido pela Avibrás Ltda. e utilizado pelo Exercito e Forças Aérea, e os lança-granadas BLG-120 e BLG-252, produzidos pelo Ares Aeroespacial e Defesa Ltda. e utilizados pela Aeronáutica. Em recente Audiência Pública na Câmara dos Deputados, o representante do exercito, Brigadeiro Marcelo Mário de Holanda Coutinho, explicou que a utilização deste armamento pelo exercito brasileiro está de acordo com as normas atuais do Direito Internacional Humanitário, inclusive, com a Convenção de Genebra de 1949, que pede para militares distinguirem entre alvos militares e civis em um conflito. O representante do exército também explicou que o índice de falha é menor que 1%. Porém, são argumentos muito fracos quando comparados aos fatos. De acordo com a ONG Handicap International, que levou o Prêmio Nobel da Paz em 1997, num estudo feito com os mais de 100.000 vítimas de bombas de fragmentação pelo mundo, 98% das vítimas foram civis e 27% desses foram jovens com menos de 16 anos de idade.

A Convenção sobre Bombas de Fragmentação que o Brasil ainda não assinou requer que países destruam seus estoques desta bomba em oito anos; forneçam assistência às vítimas e também suspendam a produção dessas. Se para o Brasil é tão difícil, parece que não foi para outros países na América Latina, como no caso do Chile, que também produzia e exportava esse tipo de armamento até 2008, e hoje é um dos signatários da Convenção e se tornou um dos líderes num esforço internacional para proibir o uso desse armamento. O Uruguai e o México também deram um bom exemplo na região. Vale ressaltar, que hoje o Brasil é um dos dois países solitários que produzem este armamento nas Américas, sendo o outro os Estados Unidos.

Porém, ainda há esperanças. Uma das recentes ações em prol da proibição foi a apresentação do Projeto de Lei 4590/2009 no Congresso Nacional, para proibir a fabricação, estoque e exportação da bomba de fragmentação no Brasil. A lei está atualmente transitando pelo Congresso e, se passar, será uma grande vitória para que o Brasil possa ter um desenvolvimento econômico sem vítimas inocentes.