9ª Mostra Mundo Árabe de Cinema: Cineclube Latino-Americano recebe sessão “Diálogos Árabe-Latinos”
A relação cinematográfica entre países latino-americanos e o mundo árabe é antiga. Geraldo ressaltou que as primeiras experimentações e contatos de diretores do Líbano, Síria e Palestina com a América Latina vêm desde o começo do século 20. O segundo filme da história do cinema árabe, “Um beijo no deserto”, de 1927, foi feito pelos irmãos chilenos de origem palestina Ibrahim e Badr Lama.
Neste sentido, de acordo com o curador da Mostra, é difícil apontar uma lógica com inicio e fim desta relação latino-árabe. “Este é um espaço de circulação constante de quase um século de existência. O que estamos fazendo aqui muitos nos antecederam. Esperamos agregar cada vez mais e fomentar essa cooperação e colaboração dos artistas, dos cineastas da América Latina e do mundo árabe.”
Para Edgardo Bechara, o mundo precisa de diversidades de pontos de vista e a parceria entre a Cinefértil e o ICArabe, que está no seu segundo ano, é promissora neste cenário. “Há muita esperança nesta parceria. Estamos fazendo muito em conjunto”. O banco de projetos, segundo ele, recebeu em seis meses mais de 20 filmes em coproduções, algumas em desenvolvimento e outras já em fase de produção. “Este ano entregaremos mais de U$ 22 mil em prêmios para os filmes latino-árabes”, informou.
O que acontece entre o mundo árabe e latino-americano, conforme exemplifica Bechara, é uma tendência devido à união de pelo menos três fatores essenciais. “As pessoas que estão dispostas a dormir poucas horas e a trabalhar muito, o público, que sem suas dúvidas, perguntas e desejos de querer olhar mais longe tudo o que fazemos não teria sentido, e os cineastas que estão aqui para defender suas obras”.
É nessa conjunção, destacou, que acontece o avanço para o crescimento. “É um espaço-tempo maravilhoso para o encontro com o mundo árabe”, disse, acrescentando que a América Latina tem muito a oferecer ao mundo árabe e o mundo árabe está com os olhos voltados para a América Latina. “É um espaço em que nos podemos nos reconhecer com um olhar mais direto e menos cercado pelos meios globais de comunicação.”
O papel do cinema
Os filmes exibidos transmitem, cada um à sua maneira, variadas sensações, segundo Bechara, e ajudam a refletir sobre a questão das identidades. Para ele, transformação e identidade cultural são duas palavras que ligam as três obras, aparentemente distintas. “Uma busca por uma identidade que não seja reduzida a uma coisa de mercado, a uma tendência de estado, a um número. É importante que cada pessoa possa desfrutar e viver plenamente sua identidade com outros que estão fazendo o mesmo, em um contexto de liberdade.”
"Bashar", que traz entrevistas reais, como a do ativista Rami Jarah, e outras ficcionais, além de cenas de arquivos mostrando discursos de Bashar Al-Assad, presidente da Síria, é um pequeno estudo sobre a situação do país que ganha importância cinematográfica, segundo o diretor Diogo Faggiano, ao não se deixar cair no didatismo, papel do jornalismo. “O que importa é pegar as palavras dele (Bashar), do soldado, do ativista exilado ou do que está em Allepo e chocá-las umas contra as outras enquanto palavras proferidas por homens em diferentes situações.”
O filme foi feito no Egito e é resultado de outro longa em construção sobre a primavera árabe no Egito. Para Eduardo Chatagnier, produtor de set de “Bashar”, o cinema se enquadra numa esfera de arte que tem alguns privilégios, como por exemplo, “o de permitir que o espectador tire suas conclusões a partir dos choques próprios da linguagem e não simplesmente de dados.”
Em "Dona Rosa", o espectador conhece a htrajetória da mulher que dá nome à obra, nascida na alta classe de imigrantes libaneses de São Paulo. A romântica história com o marido, Rachid, médico de origem modesta, a viuvez precoce e o apego ao trabalho - Rosa continua trabalhando aos 95 anos – tornam a obra um registro amoroso de uma personagem singular.
“Dona Rosa” também arrancou muitos risos da plateia e sua mensagem, segundo Lucas Mandacaru, é sobre a importância da família. Além disso, afirmou, a preocupação sobre Dona Rosa nunca foi mostrá-la como uma senhora libanesa. “Ao longo da edição procuramos encontrar quais historias eram universais. Que há em qualquer origem. É uma história de amor e transformação em que ela se supera e isso é importante na vida de qualquer pessoa.”
“Nem sempre me vesti assim” apresenta três mulheres muçulmanas de diferentes etnias que vivem na Inglaterra e falam de sua relação com a religião e o uso do véu islâmico. “O foco é o uso do véu como um processo íntimo, numa perspectiva tanto particular quanto crítica – mais do que um hábito religioso, pode ser também um processo de identidade social e política”, destacou a diretora Betty Martins.
É importante, de acordo com Betty, olhar as culturas nas suas transformações. Seu trabalho está intimamente ligado ao contexto. “O meu documentário não é o véu em si, é uma desconstrução no nível de representação. Conhece-se o que é o hijab através da narrativa da mulher que opta por usar essa vestimenta.”
Betty acrescentou que isso foi uma estratégia, pois uma das formas de representação das mulheres muçulmanas é mostrá-las incapazes de ter suas próprias agendas, além da visão de que o hijab, o Islã e os árabes fazem parte de um discurso único. “A minha ideia era devolver a essas mulheres a total autonomia do seu próprio discurso.”
Ao final, Geraldo ressaltou que a América Latina e os países árabes têm em comum a “velha condição” de serem representados por outros. Esse encontro, disse, acaba gerando novas possibilidades de autorrepresentação e de problematizar as territorialidades, conceito que, segundo ele, o cinema põe em evidência. “Se tem uma forma de expressão estética, artística, com grande potencial político e de trazer a ideia de território é o cinema.”