Brasileira integra departamento de Egiptologia da Universidade de Oxford, na Inglaterra
No mestrado, segundo Thais, as pesquisas giraram em torno das cartas de homens e mulheres à época da invasão grega no Egito, o chamado período Ptolomaico. "Estava interessada em entender como eles se relacionavam nesse período da história do Egito, que é pouco estudado pelos egiptólogos", afirma Thais. "Para dar conta da pesquisa fui estudar muita coisa na Antropologia e principalmente na literatura feminista."
A estudiosa queria aprofundar-se mais na questão de gênero quando pensou no seu projeto de doutorado. Queria entender como os egiptólogos tinham estudado e criado a ideia de espaço doméstico no Egito antigo. "Sempre se diz que a mulher pertence ao espaço privado, mas quando começamos a ver os documentos percebemos que essas noções não são tão próximas das nossas como pensamos. Há muitas cartas de mulheres que eram responsáveis pelos negócios da família, pela administração de terras e pelos os bens do marido. A ideia de ‘casa’ era muito mais complexa", explica.
Ela conta que, durante a pesquisa do mestrado, percebeu, a partir das cartas, produzidas em demótico [uma variação da escrita hieroglífica], que as mulheres egípcias têm uma participação maior do que se pensa naquela sociedade, como o direito ao pedido de divórcio, por exemplo. "Essa visão de fora é muito distorcida e é muito mais nossa do que deles. Por isso quis saber o que acontece em períodos anteriores. Voltei um pouco no tempo, na pesquisa do doutorado, para saber como estas pessoas se relacionavam dentro do espaço da casa."
Ainda neste contexto, ao examinar as cartas, Thais encontrou a seguinte situação: elas foram bastante estudadas e traduzidas, mas ninguém falava sobre o tema da mulher ou sobre as relações entre homens e mulheres. “A minha primeira questão era: será que as pessoas estão falando das cartas porque elas de fato têm um potencial para estudar as relações de gênero ou será que elas já estão entendendo que a carta é um documento feminino?”.
Segundo a egiptóloga, uma parte significativa dos pesquisadores dedicados ao tema do gênero, entendiam que a carta era uma manifestação tipicamente da mulher oprimida pelo mundo masculino e machista. “As pessoas jogam isso para toda a história da humanidade, como se fosse tudo a mesma coisa. É um viés de interpretação muito perigoso. Precisamos nos desfazer disso para abrir caminho para outras perguntas.”
Experiência na Inglaterra
Thais morou por cerca de um ano e meio na Inglaterra para realizar seus estudos. Na bagagem, lembra, levou ‘o complexo de vira-lata’ do brasileiro, mas isso não durou muito tempo. "Percebi que minha formação em outras áreas trazia um frescor para a disciplina que eles estavam buscando. E isso foi e tem sido muito gratificante.”
Foi interessante, conta Thais, chegar a um dos maiores centros de Egiptologia do mundo, sentindo-se muito por fora. É uma disciplina que está em desenvolvimento por aqui. Ela cita o professor Antônio Brancaglion Junior, seu orientador no mestrado, que é o grande egiptólogo do Brasil e tem formado muitos alunos na área. “Vamos nos achando pouco lá fora. Mas a experiência foi surpreendente. Houve uma receptividade positiva dos professores, acho que especialmente por conta de um olhar novo sobre a Egiptologia, que ficou muito tempo isolada dentro das Ciências Humanas. As áreas de Antropologia, de Linguística entravam pouco na rede de egiptólogos.”
Na Inglaterra, diz Thais, eles estudam hieróglifo desde o primeiro ano da faculdade, têm formação vertical na disciplina. Já no Brasil, aponta, tem que estudar História, Antropologia e Letras para depois, na pós-graduação, se especializar. “Acabamos, nesse sentido, saindo no prejuízo porque nossas bibliotecas não têm bons acervos nesta área. Embora tenha melhorado bastante nos últimos anos, ainda há um longo percurso pela frente”.
Egiptologia no Brasil
Apesar de uma formação defasada no Brasil, de acordo com Thais, em alguns aspectos o brasileiro se destaca. Discussões em nível teórico, possível graças às outras disciplinas dentro da Historia, discussões na área de História do Brasil moderna, contemporânea, Teoria da História, diz, serão estudadas por lá muito mais tarde, quando são estudadas. “Acabamos chegando com a percepção mais aguçada em alguns pontos”, afirma. “Chegamos também com muita vontade. Eles têm tudo: artigos, livros, uma estrutura para receber os pesquisadores. Tudo é muito facilitado nesse sentido”.
Nas palavras de Thais "hoje vivemos um momento dentro da História Antiga e, principalmente, dentro da Egiptologia no Brasil muito bom. Existe um reconhecimento dessas instituições lá fora do nosso potencial como pesquisadores. Os alunos têm saído mais, os professores têm trocado mais experiências. Acredito que esta exposição nos ajuda a mostrar o nosso trabalho."
Segundo ela, o Brasil possui a maior coleção egípcia da América Latina, que fica no Museu Nacional da Universidade do Rio de Janeiro. “É uma coleção belíssima e importante, que mostra que o Brasil tem estudo sobre o Egito, que tem potencial para ter bons pesquisadores. Ouvi um professor dizer: ‘saiba que é muito bom fazermos Egiptologia fora das fronteiras do império'. Fiquei muito emocionada quando ouvi isso porque é um incentivo muito grande."
No Museu Nacional da UFRJ é possível fazer o Mestrado e o Doutorado em Arqueologia, com foco no Egito Antigo. O Museu de Arqueologia e Etnologia da USP também conta com uma coleção egípcia. Rio de Janeiro e São Paulo ainda são os grandes centros para estudo do Egito Antigo no Brasil, disponibilizando cursos para alunos regulares e para o grande público.
História antiga
História Antiga, de acordo com Thais, que tem Bacharelado e Licenciatura em História também pela USP, é uma disciplina que é colocada à margem, considerada como algo de curiosidade e pouca relevância. “Há uma distorção da Historia Antiga, de que ela é algo ultrapassado, velho. Acho justamente que por ser tão diferente do nosso tempo, ajuda-nos a pensar problemas de outra ordem, problemas da História, da própria sociedade em si. Precisamos resgatar um pouco esses estudos da História Antiga e da Egiptologia. O Brasil tem muito potencial.”
O foco de Thais estava voltado para como se davam essas relações entre homens e mulheres e como explicá-las. "O bacana de estudar História não é só ver como as coisas eram - essa é uma imagem romântica -, mas ressignificar esse passado o tempo inteiro para perceber como os pesquisadores se apropriaram de determinados documentos, explicaram e justificaram determinadas coisas. É muito interessante porque percebemos que nem tudo é como parece."
Thais viaja para Oxford em outubro e aguarda o resultado da bolsa, que deve sair no final do ano.
Leia textos de Thais Rocha em: http://cafehistoria.ning.com/page/artigo-exclusivo-egito-made-in-brazil