Não há mais informação a esconder
A reportagem do ICArabe conversou com o chefe de produção do canal de documentários da Al-Jazeera, o palestino Montaser Marai. Entre os assuntos abordados, a mudança que o canal do Qatar instituiu no jornalismo dos países árabes ICArabe: Em primeiro lugar, conte um pouco sobre sua história. Sei que você é palestino. Qual a história de sua família? E como você acabou no jornalismo? Montaser Marai: Minha família vivia na Palestina, Cisjordânia, e saiu de lá para a Jordânia depois da guerra de 1967, época em que o exército israelense ocupou o resto das terras palestinas e completou o que começou em 1948. Da Jordânia, minha família mudou-se para o Kuwait, onde há uma grande comunidade de palestinos que deixaram o país pela mesma razão. Lá, nasci em 1975. Gostava de escrever desde jovem e comecei a trabalhar para jornais universitários e como repórter para jornais locais. O ativismo estudantil e o fato de escrever na universidade melhoraram minhas habilidades, já que estávamos livres das amarras do poder do dinheiro e da política. Trabalhei no meu último ano da faculdade para uma TV local e construí meu caminho para ser um jornalista da Al-Jazeera. ICArabe: Como você define o jornalismo nos países árabes antes da Al-Jazeera? Marai: Bom, era um jornalismo jovem, digamos assim. E a mídia era dos governos e não do povo. Em países árabes, você podia ler notícias ou assistir a TVs e saberia notícias apenas do presidente! Você não pode tocar ou falar sobre questões sensíveis e não há liberdade de expressão na maioria dos países árabes. A Al-Jazeera é um ponto de mudança na mídia e na liberdade de expressão não apenas nos países árabes, mas internacionalmente, já que entrega diferentes visões de diferentes ângulos. Tornou-se a voz do sul, falando de um ponto de vista cultural. ICArabe: Uma vez, conversando com uma jornalista egípcia (Mona Anis, entrevista do dia 11/9/2006), ela me disse que a Al-Jazeera era, em primeiro lugar, a criação do emir do Qatar, inclusive bem relacionado com os Estados Unidos. Mas ela disse também que o que fazia a emissora especial e uma boa fonte de jornalismo era o fato de juntar jornalistas de diferentes países árabes cansados da maneira com a qual a informação era produzida. Você concorda? A Al-Jazeera é a soma dessa empresa que quer (e precisa) de dinheiro e lucro, mas com a energia de uma nova geração de jornalistas que querem ser a voz do sul? Marai: Sim, é verdade. Al-Jazeera foi uma ideia do emir do Qatar, uma ideia muito inteligente. O Qatar sustenta financeiramente a Al-Jazeera, mas a mantém independente e não se envolve em sua política editorial, o que faz o canal muito forte. A diversidade de jornalistas não apenas de países árabes mas de todo o mundo adicionou um grande valor à emissora. Muitos deles não podiam contar a verdade em seus países, mas quando se juntaram à equipe da Al-Jazeera, puderam. Os jornalistas de fato não trabalham apenas por dinheiro, mas realmente sentem que são a voz das pessoas sem voz. ICArabe: E o que a emissora mudou no cenário do jornalismo dos países árabes? Marai: A Al-Jazeera levantou o bloqueio à liberdade de expressão na mídia e permitiu dar força às pessoas que criticavam as ações erradas de seus governos. Também forçou TVs e jornais a contar a verdade, pois se não o fizessem, a Al-Jazeera faria. ICArabe: Quais os números de documentários produzidos pelo canal? Marai: Estamos produzindo cerca de 225 horas este ano e comprando cerca de 800. Isso significa que temos cerca de 1400 filmes ou títulos por ano, e você não pode comparar isso a nenhum outro canal de TV porque a Al-Jazeera Documentários passa 24 horas apenas de documentários. ICArabe: Qual a dificuldade de se produzir um documentário em países árabes? Não falo apenas da questão de custos e financiamento, mas de censura política? Marai: Era difícil produzir, mas agora está ficando melhor. Realizadores podia tocar em muitas questões sensíveis, mas muitas vezes não encontravam uma forma inteligente, diferente ou indireta para driblar a censura. Você podia fazer um filme sobre qualquer coisa, mas não encontrava o canal de TV que tivesse a coragem de exibi-lo. Nós, na Al-Jazeera, estamos tentando ser um “lugar seguro” para estes tipos de documentários. ICArabe: Uma vez um documentarista libanês me disse que há uma nova onda de produções, um novo esforço de realizadores e mesmo jornalistas no Oriente Médio, produzindo documentários de custo baixíssimo, com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Bastava apenas, por exemplo, andar pela realidade da Palestina ocupada e filmá-la. Indo contra até o que entendemos como o jornalismo tradicional, “ouvir os dois lados”. Você vê esse movimento? E como a Al-Jazeera lida com isso? Marai: Este é um movimento importante apoiado em novas mídias e novas tecnologias. Agora, muitos realizadores podem pegar uma câmera e apenas andar pelo local a ser coberto. Nós estamos produzindo e comprando muitos documentários dessa forma e apoiando realizadores independentes ICArabe: Como você analisa a cobertura da mídia ocidental da realidade do Oriente Médio com a qual você lida diariamente? Marai: Alguns desses jornalistas estão dizendo a verdade, outros não querem dizer. Alguns querem mas são mal guiados. Alguns têm a imagem errada e simplesmente não querem mudá-la. Há ainda por vezes pressão de governos ocidentais que posam com sua liberdade de expressão no Ocidente, o que é na verdade uma liberdade de expressão seletiva. Dessa forma, você pode perceber o que eles querem da transmissão. Durante os ataques à Gaza, muitos americanos não podiam receber qualquer notícia do local. Por quê? Hoje eles têm uma cobertura intensiva sobre os protestos contra o regime no Irã! Não sou a favor ou contra o regime no Irã, mas sou contra dois pesos e duas medidas.