O repórter que caminhou pelo inferno libanês
O Icarabe conversou com o repórter, que mora atualmente em Malta. Leia abaixo a entrevista: Icarabe: Como surgiu a oportunidade de ir ao Líbano durante os ataques de Israel? Fernando Evangelista: Eu estou morando em Malta, uma Ilha no Mediterrâneo, perto da Itália. Assim que começou a guerra, sugeri a pauta para a Caros Amigos. Eu já tinha ido à região, como enviado da revista, em outras duas ocasiões. Em 2002, fui à Palestina durante a operação israelense “Escudo Defensivo”, que ocupou todas as cidades controladas pela Autoridade Palestina e culminou com o massacre de Jenin. Em 2003, estive no Iraque ocupado. Em todas essas minhas viagens, fui acompanhado do repórter-fotográfico Matt Corner, que é italiano, conhece muito bem a região e fala árabe. Icarabe: Como foi sua chegada, que cuidados você teve para tomar conhecimento a realidade do Líbano? Evangelista: Para ter uma idéia de onde estaria pisando, li tudo o que podia sobre o Líbano. Procuro fazer isso em qualquer reportagem. E tenho, todas às vezes, a sensação de que, por mais esforço que se faça, a vivência nessas situações de risco é sempre surpreendente, imprevisível e muito diferente do que dizem os livros, “os especialistas” e, principalmente, a grande mídia. Icarabe: Detalhe, se for possível, sua trajetória dentro do Líbano. Evangelista: Minha base foi Beirute. E de lá fui até o sul do país. Icarabe: Para aqueles que viveram o conflito do Brasil, mas têm laços próximos com o Líbano e o mundo árabe, os sentimentos que se misturavam eram o de impotência mas também de necessidade incontrolável de poder fazer alguma coisa para que os ataques parassem. Você como um estrangeiro dentro do Líbano - que além de tudo tinha que reportar o que acontecia – que sentimentos passavam por você? Evangelista: No começo, eu tive medo. Medo de ser mais um número nas estatísticas disso que chamam, de maneira indecente e canalha, de “efeito colateral”. Tive medo também de não conseguir fazer um bom trabalho. Depois, vendo a guerra de perto, vendo pessoas mortas, crianças mortas, o medo foi sendo substituído por um sentimento de indignação. No final da viagem, o sentimento mais forte era de tristeza. Icarabe: Que força percebeu nos libaneses com relação à reconstrução do país? Evangelista: É incrível como as pessoas conseguem forças para continuar tocando a vida, apesar de todas as tragédias. Conversei com libaneses que perderam a família inteira por causa da guerra e, mesmo assim, ainda têm ânimo para ajudar na reconstrução do país. Além disso, o Hezbollah foi bastante eficiente, dando a cada família - que teve sua casa destruída - dinheiro para o pagamento de um ano de aluguel. O governo do Líbano está indenizando a família das vítimas e os mutilados no conflito. Os Estados Unidos também anunciaram apoio financeiro, apesar de terem apoiado o conflito desde o começo. O governo brasileiro doou 2,7 toneladas de remédios e a comunidade libanesa no Brasil enviou outras 6 toneladas com ajuda humanitária. Icarabe: Há diversas posições quando se fala da conclusão do conflito. Alguns dizem que o Hezbollah ganhou, pois imputou à Israel derrotas inéditas e não foi destruído e nem teve seu arsenal terminado. Outros dizem que, no fim, Israel e os Estados Unidos venceram, pois conseguiram de algum forma redesenhar a região de acordo com seus interesses. A que posição você mais se aproxima? Evangelista: É equivocado acreditar que a violência possa resolver os problemas que atingem a região. Tanto o Hezbollah quanto o governo de Israel utilizaram e utilizam o pior caminho e os piores métodos, e os que mais sofrem são aqueles que eles dizem defender. No primeiro dia do cessar-fogo, o Líbano acordou repleto de mensagens publicitárias do Hezbollah proclamando a “vitória divina”. Mas qual vitória? Mais de 1300 pessoas morreram, a maioria civis, quase todas do lado libanês, outras 900 mil foram deslocadas, a infra-estrutura do Líbano foi destruída. Milhares e milhares de pessoas perderam parentes, amigos, perderam o que tinham de mais precioso e o Hezbollah proclama, em alta voz, a vitória divina. É um absurdo. Do mesmo jeito é absurdo o governo de Israel insinuar que obteve qualquer dividendo político com a guerra. Não obteve. Israel não conseguiu libertar os soldados, não conseguiu desmantelar o Hezbollah, não impediu que o grupo seguisse, durante dias, atacando mísseis contra Haifa, um milhão de israelenses foi obrigado a passar um mês em abrigos subterrâneos. E, pior, ficou claro para o mundo inteiro que a FDI (Força de Defesa de Israel) não é tão poderosa quanto sempre pareceu ser. Então, Israel também não venceu. Apesar disso tudo, é preciso admitir que a sensação que se tinha naqueles dias é de que Nassan Nasrallah, líder do Hezbollah, nunca esteve tão forte.