Mamede Jarouche lança tradução do "Livro do tigre e do raposo"

Ter, 21/12/2010 - 14:42

"O mundo lusófono é carente de estudos sobre o mundo árabe e de traduções diretamente da língua árabe para o português; acredito que seja uma hostilidade inconsciente". A opinião é de Mamede Mustafa Jarouche, que no mês de outubro ganhou pela segunda vez o Prêmio Jabuti de Melhor Tradução, nessa ocasião com livro "O leão e o chacal mergulhador" (Editora Globo). O autor já havia sido agraciado com a premiação em 2006, quando da publicação do primeiro volume do "Livro das mil e uma noites", única tradução da obra feita diretamente do árabe para a língua portuguesa.

"O leão e o chacal mergulhador" é um tratado político em forma de fábula, escrito nos séculos 11 ou 12, em Bagdá, que apresenta ensinamentos, sentenças, máximas, provérbios e pequenos contos. "Vejo nessa nova premiação uma valorização, no Brasil, de textos escritos em línguas consideradas não centrais, campo que, como disse anteriormente, ainda tem muito a ser explorado", afirma o autor. Segundo ele, o título foi resenhado por alguns jornais e sites de notícias do país, além de veículos literários. "Claro que não teve o impacto do 'Livro das mil e uma noites', que já era uma obra conhecida em nossa cultura. 'O leão e o chacal mergulhador' é um texto medieval anônimo, não convencional, trazendo elementos estranhos ao senso comum. Ele nunca antes havia sido traduzido para qualquer língua, ocidental ou oriental", afirma Mamede.

Ele conta que durante muitos anos, a partir do século 8º, os árabes produziram diversos tratados políticos que tinham a função de manuais de conduta para governantes. "Alguns poucos foram escritos como fábulas e desses eu já traduzi três e estou trabalhando no quarto", conta. Além de "O leão e o chacal mergulhador", Mamede se refere a "Kalila e Dimna", de Ibn Almuqaffa' (publicado em 2005 pela Martins Fontes), e ao "Livro do tigre e do raposo", escrito no século 9 por Sahl Bin Harun, publicado pela editora Amaral Gurgel neste mês de dezembro, e ao futuro "Fundamentos da política", que desvenda um manuscrito egípcio do século 13, que se encontra em São Petersburgo, na Rússia. "Minha previsão é lançá-lo em 2011", adianta.

O autor do "Livro do tigre e do raposo" foi um escriba de Zubayda, esposa do legendário Harun Arrashid, califa da Bagdá abássida. Na tradução, Mamede fornece ao leitor uma contextualização histórica e geográfica por meio de 166 notas, que formam quase que um novo livro. Por intermédio das informações de rodapé, o autor revela os caminhos percorridos e as eventuais dificuldades de sua tarefa, destacando suas opções. "Foi difícil traduzir esse texto devido aos complexos conceitos e sintaxe que ele tem", diz Mamede.

Em "Fundamentos da política", o arabista traz para o português a história de um lendário rei persa que se comporta de maneira leviana com as mulheres do seu harém, levando-as a ministrar-lhe "aulas" de comportamento político por meio de sucessivas histórias que lhe narram.

De acordo com Mamede, esses tratados políticos colocam sempre em discussão a relação de troca que existe entre o poderoso e seus  súditos. "Isto é, o povo será tanto mais obediente quanto mais justo for o governante", explica o tradutor. Outro ponto em comum é o perigo que o poder suscita de desvirtuamento da conduta do governante e a obrigação de se controlar a cobiça e as paixões.

Além disso, Mamede continua trabalhando na tradução do quarto volume do "Livro das mil e uma noites", que ficará bem maior do que os três primeiros. "Convém destacar que essa obra, assim como os volumes anteriores, além da tradução, trata-se de um trabalho de pesquisa com as fontes originais, com comparação de vários manuscritos e edições impressas", diz ele.