Milton Hatoum fala sobre seu novo livro em bate-papo com público em São Paulo
Por Sueli Melo
Na última sexta, 24 de novembro, o escritor Milton Hatoum, membro do ICArabe, participou de um bate-papo com leitores sobre seu novo livro, "A Noite da Espera". A obra é o primeiro volume da série "O lugar mais sombrio", o romance que retrata a formação sentimental, política e cultural de um grupo de jovens na Brasília dos anos 1960 e 1970. Ao final do encontro, que ocorreu na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi, houve sessão de autógrafos com o autor.
A conversa, que fez parte da programação do Festival Literário – “Minha Língua, Minha Pátria”, do Ministério da Cultura, foi mediada pelo professor de literatura da Universidade de São Paulo – USP, Samuel Titan Jr.
O professor lembrou que, diferentemente das outras obras que consagram o escritor com temas como a herança árabe, a Amazônia e a floresta, por exemplo, a narrativa de "A Noite da Espera" “cede lugar para um romance sobre Brasília nos anos mais negros da história recente do país.”
Milton Hatoum destacou que o cenário de Brasília do final dos anos 1960 e começo dos anos 1970 está presente em seus planos desde 1980, quando morava na Espanha. “Eu queria escrever um romance sobre aquela época – foi um fiasco”, lembrou. “Cinzas do Norte”, que começou a escrever trinta anos depois e fala da mesma época, “foi uma espécie de exercício” para este novo livro, segundo ele.
O escritor revela que Martin, protagonista do romance (veja sinopse abaixo), não é distante do que ele é. “Não poderia ter escrito o livro sem a vida em Brasília, quando morei com dois amigos”, disse. “A experiência em Brasília numa época muito dura que vivenciei diretamente foi algo marcante na minha vida”.
Hatoum contou que foi um grande desafio escrever sobre aquele momento – a ditadura militar. “A primeira coisa que descartei foi escrever um romance político”, salienta. “Tentei fazer um recorte com esse personagem perdido, que tenta entender o que se passa, mas a amargura dele, o desencontro é mais forte do que o que está acontecendo”.
Exílio
Há passagens sobre o tema do exilio no livro. “Há tempos, li um ensaio de Edward Saïd (intelectual palestino que inspirou a criação do ICArabe), “Reflexões sobre o Exílio”, um dos mais bonitos que ele escreveu, que fala sobre o exílio, esse sentimento interior, essa perda para sempre”, disse. “Said diz que não tem coisa mais triste que o exílio, mas fala também que as pessoas que não se exilaram podem se sentir exiladas. Exilados em sua própria pátria.”
Romance de camadas
Samuel Titan Jr., que leu o manuscrito de sua obra, faz uma breve análise. É um prazer falar sobre este primeiro volume de “O lugar mais sombrio”, que é “A Noite da Espera”. “É um dos melhores romances brasileiro dos últimos anos”, diz o professor. “Um romance cheio de camadas. Ele merece e segura vária leituras. Um romance de formação do herói na Brasília do golpe militar. É um romance familiar cheio de todas as complicações, afetos, ódios e contradições que fazem da vida familiar isso que ela é: tão odiosa e tão necessária. Um romance de ideias, histórico, uma tentativa de releitura de um momento importante da história brasileira. Um romance de fantasmas no sentido de que todo mundo é assombrado por fantasmas afetivos, familiares, políticos, históricos”, avalia Samuel Titan. É uma obra complexa, poderosa e, ao mesmo tempo, proporciona muito prazer a quem se aventura nesse primeiro volume”.
O autor e o leitor
Para Hatoum, o encontro desta sexta foi uma boa conversa. “Foi focada no livro, com boas perguntas e que até me fez refletir sobre o que vem por aí, no segundo e terceiro volumes. São essas perguntas e observações que às vezes iluminam a obra futura do escritor. Sem o leitor, sem essa interação, esse diálogo, o nosso trabalho não avança”.
Da ditadura militar aos dias de hoje
Uma das expectativas de Milton Hatoum sobre a nova obra é que ela chegue até os jovens brasileiros. “Estamos vivendo um momento difícil hoje em dia. Vários professores falaram que vão trabalhar com o livro no ano que vem em escolas e universidades”, afirma. “Acredito que o contato com os jovens, a leitura dos jovens pode enriquecer muito. Porque eles vão se situar, vão fazer uma ponte entre o que está acontecendo hoje e a aquela época. “Muitas das nossas iniquidades e dessa desagregação são consequências da ditadura militar”, conclui o escritor.
Sobre o livro
Nove anos após a publicação de "Órfãos do Eldorado", Milton Hatoum retorna à forma da narrativa longa em uma série de três volumes na qual o drama familiar se entrelaça à história da ditadura militar para dar à luz um poderoso romance de formação. Nos anos 1960, Martim, um jovem paulista, muda-se para Brasília com o pai após a separação traumática deste e sua mãe. Na cidade recém-inaugurada, trava amizade com um variado grupo de adolescentes do qual fazem parte filhos de altos e médios funcionários da burocracia estatal, bem como moradores das cidades-satélites, espaço relegado aos verdadeiros pioneiros da capital federal, migrantes desfavorecidos.
Às descobertas culturais e amorosas de Martim contrapõe-se a dor da separação da mãe, de quem passa longos períodos sem notícias. Na figura materna ausente concentra-se a face sombria de sua juventude, perpassada pela violência dos anos de chumbo. Neste que é sem dúvida um dos melhores retratos literários de Brasília, Hatoum transita com a habilidade que lhe é própria entre as dimensões pessoal e social do drama e faz de uma ruptura familiar o reverso de um país cindido por um golpe.
Onde encontrar:
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Fotos: Sueli Melo