Escolas reconstroem locais históricos árabes com Minecraft
‘History Blocks’ foi desenvolvido pelo professor brasileiro de origem saudita Francisco Tupy. O jogo educativo reconstrói ruínas de patrimônios da Unesco na Síria, Iraque e Afeganistão.
Por Bruna Garcia Fonseca/ANBA
“A tecnologia ajuda a olhar para o futuro e recuperar o passado”, disse o professor idealizador do projeto History Blocks, Francisco Tupy (foto acima). O jogo educativo propõe a reconstrução de patrimônios da humanidade reconhecidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que foram destruídos em situações de conflito no Iraque, Síria e Afeganistão.
O game começou a ser aplicado em escolas brasileiras em maio, e a partir de agosto terá uma divulgação massiva para atingir mais instituições. O projeto é uma iniciativa educacional do Minecraft, da Microsoft (Minecraft Education Edition), que utiliza o jogo em sala de aula para atividades interdisciplinares, em parceria com a Unesco.
Mais de 50 países estão utilizando o jogo, que tem embaixadores em países árabes como Tunísia, Catar, Iraque e Bahrein. No Brasil, o History Blocks já vem sendo usado em algumas escolas de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Ceará. “As escolas brasileiras já tomaram conhecimento do History Blocks e estão começando a incluir o projeto em seu plano de atividades para o segundo semestre”, disse Tupy, em entrevista à ANBA.
Mesquita Al Nuri, no Iraque
Francisco Tupy é um professor brasileiro de origem saudita formado em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado em Game Design e doutorado em Comunicação Aplicada a Games pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Sua tese de doutorado foi sobre o Minecraft aplicado à comunicação.
“A Unesco teve a iniciativa de recriar os patrimônios no Minecraft e, pelo meu perfil, me convidou para desenvolver o jogo; nós fizemos o mapeamento de monumentos do patrimônio mundial que foram destruídos no Oriente Médio em conflitos e convidamos as crianças a reconstruir esses monumentos”, disse Tupy, que é o coordenador pedagógico e líder mundial do “History Blocks”.
Um plano pedagógico foi desenvolvido com base nos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e envolvendo os pilares da educação. “Quisemos fazer um jogo que ajudasse na solução de problemas e na conscientização da responsabilidade que a humanidade tem perante seus patrimônios, utilizando o professor como mediador e fazendo com que os alunos fossem motivados a pesquisar sobre história, matemática, geografia, antropologia, e a desenvolver uma empatia global, para que eles se reconheçam no próximo, entendam a variedade de culturas e comportamentos no mundo. E ao reconstruir estes patrimônios, o jogo ajuda na construção de conhecimento e pode até ter valor de documento histórico”, informou.
Templo de Bel, na Síria
Segundo Tupy, “o limite do Minecraft é sua criatividade”. O jogo, para o professor, é uma ferramenta de transformação, que envolve trabalhar em grupo e visa essa atenção para a reconstrução utilizando a tecnologia para algo construtivo, que reforça o senso de responsabilidade dos jovens perante as tragédias. “Fiquei encantado de ver a pesquisa que eles fizeram dos locais, a curiosidade de conhecer o mundo.”
Nas discussões em classe, foram relembradas as tragédias do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e da Catedral de Notre Dame, em Paris. “Então conversamos sobre o que faz um local ser um patrimônio mundial da Unesco”, contou. São locais naturais ou construções consideradas pela comunidade científica como sendo de inigualável e fundamental importância para a humanidade.
Escola Bosque
A Escola Bosque foi uma das primeiras a utilizar o History Blocks, em uma atividade interdisciplinar de quatro aulas que envolveu professores de matemática e história, e estudantes de 10 a 14 anos. Os estudantes do ensino fundamental da instituição, que fica em São Paulo, reconstruíram o Templo de Bel, na Síria, e a Mesquita Al Nuri, no Iraque.
“O projeto foi muito gratificante, reuniu todo mundo, e foi uma maneira muito mais divertida de aprender”, disse a estudante do 8º ano Bruna Macruz, de 13 anos. Ela já jogava Minecraft desde os cinco anos. “Não gosto muito de história, mas com o jogo, tive curiosidade de saber mais sobre os lugares e principalmente sobre o Templo de Bel, na Síria”, contou a aluna.
Estudantes da Escola Bosque, em São Paulo
Os cálculos também foram ponto alto da experiência. A professora de matemática da Escola Bosque, Marisa Resende, disse que “o Minecraft utiliza muitas ferramentas de matemática e envolve cálculo, geometria, medidas e proporções”. O Minecraft dispõe de apenas uma forma geométrica, blocos cúbicos, e era preciso construir, por exemplo, a cúpula da Mesquita Al Nuri a partir destes cubos, o que foi um desafio para os alunos. “É interessante o aluno perceber que a matemática que ele estuda em sala de aula se aplica na vida cotidiana para resolver problemas reais, e o fato de eles perceberem isso pelo jogo é muito enriquecedor”, disse Resende.
Segundo a coordenadora pedagógica da escola, Fátima Queiroz, cada um dos 15 estudantes que participaram tinha um computador, mas eles trabalhavam em conjunto online. “Foi enriquecedor e surpreendente ver o desenvolvimento deles na atividade, que envolveu geometria, lógica, história. A ideia é trazer conscientização sobre os patrimônios que foram destruídos, e uma reflexão sobre a importância da preservação desses locais”, disse Queiroz.
Bruna pensa em estudar programação ou marketing, “algo que tenha a ver com o digital”. Para a aluna, além dos aprendizados do jogo em si, a experiência também foi importante para aprender a trabalhar em equipe, desenvolver habilidades de organização e administração e conviver com outros alunos, de diferentes idades.