Acordos de Camp David: trapaça de 40 anos
Os Acordos de Camp David completaram 39 anos de assinatura, em 17 de setembro de 2017. Os árabes palestinos sofrem suas consequências até hoje e, pelo correr dos acontecimentos, tudo indica, continuarão submetidos às regras que lhes foram impostas por Estados Unidos e Israel – com assistência direta do Egito e remota da Jordânia.
Para evitar cair em novas trapaças, basta atentar para o discurso do presidente Donald Trump na 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), em Nova York, e suas outras declarações sobre o Oriente Médio, a qualquer tempo. A Palestina sempre corre perigo, e Camp David foi apenas um episódio. Ficar alerta é devido!
O objetivo da reunião em Camp David, um retiro para lazer dos presidentes estadunidenses, no que concerne Egito e Israel era: o Egito reganha a Península do Sinai, ocupada pelo estado sionista, ao custo de uma concordância em assinar um acordo de paz e estabelecer relações normais com Israel. Os dois Estados assumem o compromisso de estabelecimento de zonas de segurança no Sinai e de limitar a presença de forças militares dos dois lados.
Quanto à Palestina, a intenção era fatiá-la e dar aspecto de legitimidade aos retalhos. Isto porque lá não estava palestino algum ou alguém que falasse em nome da Palestina e contra sua divisão e submissão. Todos os participantes demonstravam querer uma coisa e, na verdade, pretendiam outra.
No que concerne à Palestina e à paz na região, Egito, Estados Unidos e Israel traçaram o seguinte plano, à revelia de todos os ausentes: durante os primeiros cinco anos o território a leste do Rio Jordão (chamada de Cisjordânia) e a Faixa de Gaza ganhariam autonomia e os palestinos viveriam sem a ocupação israelense, mas Israel manteria campos militares na Cisjordânia.
A Jordânia, a quem faltava coragem de lá estar, não participou da reunião, apesar de seu interesse estar em jogo que era manter soberania sobre a terra da Palestina que lhe foi dada pela Grã Bretanha em 1922. Note-se que os britânicos não eram donos da terra para doá-la. Assim mesmo esta doação foi feita e os palestinos nem sequer foram consultados.
Israel declarava querer apenas o território que lhe cabia pela partilha, mas até mesmo a sua bandeira nacional denunciava seu intento de tomar toda terra que estivesse entre os rios Nilo e Tigres, considerando os Acordos tão somente uma fase de seu plano de dominação.
Os Estados Unidos promoveram a reunião que levaria aos Acordos, a fim de fincar sua bandeira na região e dominar o Oriente Médio, substituindo o decadente Império Britânico e evitando que a União Soviética reforçasse sua posição regional. O Tesouro estadunidense participou também com uma doação anual de dez bilhões de dólares, dois terços dos quais destinados a Israel.
A Palestina não foi convidada, nem mesmo aquela criada pela partilha adotada pela AGNU. Também convenhamos: onde uma quadrilha planeja massacrar alguém, não se chama a vítima a ser degolada.
Negociaram e assinaram os Acordos de Camp David: pelo Egito, seu presidente Anwar al-Sadat, um militar e político, nascido no Egito e lá mesmo assassinado em 1981. Representava Israel seu primeiro-ministro, Menachem Begin, líder sionista e político israelense nascido em 1913, na Rússia, e falecido em 1992, na Palestina, a qual ajudou a ocupar por força das armas. Representava os Estados Unidos o presidente Jimmy Carter.
É de suma utilidade para compreensão da tramoia, mencionar resumidamente alguns de seus precedentes.
Através da Resolução 181, de 29 de novembro de 1947, a AGNU votou a partilha da Palestina, até então sob mandato da Liga das Nações, exercido pela Grã Bretanha e encaminhou-a para o Conselho de Segurança.
Israel considerou a Resolução da AGNU, já que lhe convinha, como mandatória para a posse da terra. Declarou imediatamente sua independência e a formação de seu Estado. Sua liderança emitiu ordens para que seu Exército, oriundo de um ajuntamento de organizações terroristas, avançasse sobre a maior parte possível daquilo que cabia aos palestinos e expulsar quem lá estivesse.
Durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel ocupou todos os territórios acima mencionados, inclusive os altos de Julan (Golan), tomados da Síria, mais uma pequena parte do território libanês e a Península egípcia do Sinai. A Resolução 242 das Nações Unidas, de novembro de 1967, ordenou a retirada de Israel desses territórios, negociação e assinatura de acordos de paz entre as partes e solução do problema dos refugiados, não teve aceitação pelas partes. É óbvio que Israel não respeitou a Resolução das Nações Unidas e continua ocupando tudo até hoje, praticando um apartheid vergonhoso contra os legítimos donos da terra.
A visita de Sadat a Israel, em 1977, e as negociações que se seguiram entre ele e o governo israelense não tiveram qualquer resultado. Somente com Carter assumindo a presidência dos Estados Unidos, após sondagens iniciais às partes, foi feito o convite a Sadat e Begin para uma reunião no retiro presidencial de Camp David.
Os líderes dos dois países, Sadat e Begin, aceitaram o convite e a reunião começou em 5 de setembro 1978 e durou 13 dias. O mais condenável nesta reunião é que os três líderes de seus países simplesmente procuraram realizar suas reivindicações, sem dar a mínima oportunidade ao povo palestino para dizer qual a sua opinião.
É importante lembrar que até mesmo os dois líderes, egípcio e israelense, eram diferentes em suas personalidades, o que dificultava o diálogo. Begin era sempre formal em sua vestimenta e maneiras, detalhista e pessimista naquilo que poderia resultar da reunião e seus desdobramentos e insistia em propor que de Camp David só saísse um acordo sobre uma agenda para encontros futuros. Já Sadat, ao contrário, sempre se apresentava com roupas esportivas modernas, estava sempre à vontade, otimista e de bom humor, insistindo sempre em que a reunião resultasse em soluções para todos os assuntos controversos durante aqueles poucos dias.
Após três dias de negociações, chegou-se a um impasse tão grave que dificultava o diálogo entre Sadat e Begin. A solução foi Carter elaborar um documento único com os pontos de vistas dos dois lados e ir se reunindo separadamente com um e outro, retirando o que era inaceitável e sublinhando aquilo que era aceitável pelos dois, até que chegou a um documento único. Tudo às custas da Palestina.
Uma solução só foi atingida no último dia de reunião, com os três sendo criticados por seus povos, não se satisfaziam com o sofrimento e injustiça que mais uma vez castigava a Palestina.
Esta reunião foi modelo para outra que seria realizada no mesmo local, de 11 a 25 de julho de 2.000, conduzida pelo presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, com a participação do presidente da Organização de Libertação da Palestina, Yasser Arafat, e o primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak. A proposta dos Estados Unidos e de Israel não foi aceita por Arafat, que se retirou da reunião.
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Legenda da foto: Menachem Begin, primeiro-ministro de Israel, Jimmy-Carter, presidente americano, e Anwar Sadat, presidente do Egito thefederalist.com
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Jose Farhat é cientista político, arabista e diretor de Relações Internacionais do Instituto da Cultura Árabe .
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