Em São Paulo, membros do ICArabe debatem na USP sobre terrorismo, guerra e imperialismo

Sex, 07/11/2014 - 11:59
O segundo dia do “Simpósio Internacional Imperialismo e Guerra 1914-2014: 100 anos da Primeira Guerra Mundial”, ocorrido na última quarta-feira, 5, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, contou com a participação do vice-presidente do Instituto da Cultura Árabe, José Farhat, e José Arbex Jr., além do professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Reginaldo Nasser.

Os temas abordados pelos integrantes desta mesa foram “Guerra infinita, Terrorismo e Estado de exceção”. O professor José Farhat falou sobre o significado dos100 anos da Primeira Guerra Mundial. “Começamos o século XX com uma guerra mundial, que era horizontal – estado contra estado. Então veio a segunda guerra, que iniciou com pequenas revoluções – chamamos vertical porque nem sempre eram de estado contra estado. Às vezes eram estados contra organizações, como a Al-Qaeda, criada pelo imperialismo estadunidense para reforçar uma guerra quente dentro da guerra fria”.

Os Estados Unidos, acrescentou Farhat, financiaram a Al-Qaeda para que ela ajudasse o Afeganistão a combater a União Soviética. “As coisas mudaram. Hoje temos o conflito na Síria, cuja posição dos Estados Unidos é dúbia, assim como a da Arábia Saudita – eles querem derrubar o governo”, pontuou. “Não é uma guerra para servir a interesses do povo sírio, é simplesmente uma guerra política”.

O acadêmico é enfático ao falar da possibilidade de que aconteça um novo conflito global. “Hoje há 650 mil homens armados até os dentes, um olhando para o outro tentando descobrir quem apertará o gatilho primeiro. Esta situação e a questão da Síria, Egito e Palestina podem levar a uma Terceira Guerra Mundial”, disse Farhat. “Isso não é bom para a humanidade. Ela quer paz, quer produzir seus alimentos, comer, suprir suas necessidades. Viver”.

O papel da imprensa na “guerra infinita”

O jornalista José Arbex Jr. falou sobre o importante papel da mídia em relação aos temas abordados. Para ele, é impossível falar de guerra infinita sem levar em consideração a significativa contribuição da imprensa. “Faz parte do processo da 'guerra ao terror' criar certo consenso social sobre quem é e quem não é terrorista, e isso não é tão simples”, disse. Ele usou como exemplo o grupo ISIS – que decapitou jornalistas nos últimos meses e o Estado de Israel, que já matou milhares de civis inocentes entre mulheres e crianças.

A grande imprensa, criticou Arbex, apresenta o assunto como se houvesse efetivamente um lado do bem - os representantes da democracia liberal, dos direitos humanos - e de outro lado a barbárie, os selvagens, gente que não merece ser classificada como ser humano. “A mídia apresenta a situação de Gaza assim: o Hamas está infiltrado no meio da população, que é de maioria islâmica, com hábitos atrasados. Uma religião agressiva que coloca véu nas mulheres, que treina as crianças para serem terroristas e que comporta um conjunto de valores que são opostos aos valores da civilização ocidental”, descreveu.

Arbex também trouxe o tema para  a realidade brasileira e destacou o chamado “efeito colateral”, termo utilizado para justificar matança de inocentes em nome de algo supostamente mais importante. “Crianças que morrem por balas pela policia, barracos que são invadidos nas periferias para capturar traficantes, destruição de vidas humanas inocentes, resultado de uma política destinada a produzir o terror e os grandes jornais não falam”, pontuou ele. “E nós começamos a achar aceitável”. Essa percepção, acrescentou, é o efeito colateral que divide a humanidade em dois lados: “o do bem, democrático, cristão, ocidental e o resto, se eles tiverem de ser as vítimas desse efeito, que sejam”, ironizou.

O jornalista destacou ainda o papel dos apresentadores de programas de TV no Brasil como José Luiz Datena, Marcelo Rezende e Rachel Sheherazade no cenário nacional, e no mundial, William Waak e especialistas em política internacional. “Eles são intelectuais orgânicos do aparelho de repressão de Estado. E estão lá para gerar consenso quanto ao fato de que quem é dispensável pode ser assassinado”, pontuou.

E acrescentou que este é um Estado repressor que “subtrai a humanidade das periferias para justificar a matança, assim como o imperialismo subtrai a humanidade do Islã e das periferias do mundo para justificar as matanças produzidas pelo próprio imperialismo”.

A outra face da “guerra contra o terror”

Um dos tópicos abordados por Reginaldo Nasser foi a guerra contra o terrorismo, iniciada 13 anos atrás. Os investimentos nas ações empreendidas nesse contexto, segundo ele, potencializaram ainda mais o terror, adquirindo recursos e a adesão de pessoas.

De acordo com dados do Washington Post, citado por Nasser, funcionários nos Estados Unidos que estão ligados direta ou indiretamente com a “guerra ao terror” chegam a 600 mil. “Podemos quantificar uma economia política desta guerra. Os liberais gostam muito de falar de economia politica e essa área dos conflitos internacionais também é passível de se olhar pela economia politica”, afirmou. “Há uma indústria que lucra com isso na destruição e na reconstrução. Então estamos diante de um fato paradoxal: por vezes o fracasso da guerra de combate ao terror só faz aumentar o terror e no fundo acaba se convertendo em um sucesso”.

Esse êxito, em certo sentido, afirma Nasser, é possível porque consegue o apoio do cidadão para que sejam aumentados os recursos dessa guerra. “Ela se alimenta, se autoalimenta e vai crescendo. O que nos parece uma tática contra producente, na verdade, não é. É uma estratégia muito objetiva que volta às questões da ocupação territorial. Se olharmos os mapas, essa ocupação só fez aumentar em todos os sentidos. O caso Israel - Palestina é um microcosmo disso”.

Ainda de acordo com Nasser, nesta guerra são deixados de lado os pressupostos clássicos de clausulas. “Não é derrotar o adversário, mas que se prolifere os inimigos. Como se avança em outras coisas, como espionagem? Como justificar áreas econômicas, tecnológicas? Que melhor justificativa do que o medo, o pavor?”, questiona.

Adotar a terminologia, a ideia de contraterrorismo, continua Nasser, parte do pressuposto de que houve um ato anterior, um ataque, uma agressão que gerou uma resposta. A realidade dos fatos, segundo ele, é outra. “Na verdade estas ações contra o terrorismo são mais do que uma reação. São uma ação deliberada com meios de destruição em proporções nunca antes vistas e que acabam ganhando apoio, de uma forma geral, de boa parte da sociedade”.