“Criticar Israel não é ser antissemita”, afirma Judith Butler em conferência na capital de São Paulo

Ter, 07/11/2017 - 16:14

Encontro promovido nesta segunda-feira, 6 de novembro foi uma iniciativa do Instituto de Cultura Árabe (ICArabe), em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a editora Boitempo e a revista Carta Capital.  


“Muitos judeus que afirmam sua judaicidade não dão apoio ao Estado de Israel.”

A reflexão foi feita pela filósofa americana Judith Butler durante a conferência de lançamento de seu livro “Caminhos Divergentes” (Boitempo Editorial), nesta segunda-feira, 7 de novembro, no Teatro Marcos Lindenberg/Unifesp, em São Paulo. 

“Em vez de afirmar que criticar Israel é antissemitismo, talvez seja mais importante saber que existem judeus que não consideram que o Estado de Israel os represente. Na verdade, a crítica é que o Estado de Israel deveria ser um estado democrático, tratando todos os cidadãos igualmente, independentemente de sua religião e etnicidade. Deveria ser um estado que dissolva a dominação colonial do povo palestino em Gaza e na Cisjordânia e que faz reparações honestas pelas desapropriações de cerca de 900 mil palestinos em 1948 e que ao longo dos anos se tornaram 5 milhões”, frisou, lembrando que o antissemitismo continua vivo e deve ser combatido, como todas as outras formas de preconceito.  

Com auditório lotado, o evento, histórico para o debate plural e democrático no Brasil, foi uma iniciativa do Instituto de Cultura Árabe (ICArabe), em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a editora Boitempo e a revista Carta Capital, no âmbito da Cátedra Edward Saïd de Estudos da Contemporaneidade, parceria entre o ICArabe e a Unifesp. A mesa de debates foi composta por Soraya Smaili, reitora da Unifesp e fundadora do ICArabe, Vladimir Pinheiro Safatle, professor de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), e Silvio Rosa, professor da Filosofia da Unifesp. Clique aqui e assista à palestra na íntegra. 

O novo livro da filósofa aborda o tema judaicidade e crítica do sionismo, usando as posições filosóficas judaicas para articular uma crítica do sionismo político e suas práticas de violência estatal ilegítima, nacionalismo e racismo patrocinado pelo Estado. Dialogando com o pensamento de Edward Said, Walter Benjamin, Hannah Arendt, Primo Levi, Martin Buber, Emmanuel Levinas e Mahmoud Darwish, o livro procura articular uma nova ética política, que transcenda a judaicidade exclusiva e dê conta dos ideais de convivência democrática radical, considerando os direitos dos despossuídos e a necessidade de coexistência plural.

Judith Butler é professora do Departamento de Retórica e Literatura Comparada da Universidade da Califórnia em Berkeley (Maxine Elliot Professor). Desde 2006 é professora da Cátedra Hannah Arendt de Filosofia da European Graduate School (EGS), na Suíça. Entre outras atividades, é membro da organização The Jewish Voice for Peace e é parte do quadro executivo da Faculty for Israeli-Palestinian Peace nos EUA e do Centro Cultural The Freedom Theatre, na Palestina. Tornou-se extremamente conhecida por seus estudos sobre as questões de gênero, feminismo e teoria queer. Porém, é também uma voz ativa e engajada nas questões da violência e injustiça relativas a guerras, transfobia, tortura, violência policial, antissemitismo e discriminação racial de todos os tipos.

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Soraya Smaili, reitora da Unifesp e fundadora do ICArabe

 

“Seu rigor acadêmico é acompanhado pela leitura crítica e original de textos, sendo uma das principais teóricas em áreas da filosofia, psicanálise e literatura. É conhecida por sua voz crítica e sempre muito bem fundamentada em todos os seus escritos e intervenções públicas. Como genuína pensadora, tem abertura para tratar de questões do contemporâneo com engajamento, diálogo dentro e fora da academia e com uma boa dose de afeto e humanidade”, ressaltou Soraya Smaili, ao apresentar a convidada ao público.

Ao iniciar sua palestra, a acadêmica agradeceu pela receptividade do público. “Confirmo a minha impressão de que o Brasil e São Paulo, especificamente, são um lugar acolhedor. Temos uma chance de pensar juntos, sem censura ou medo.” Nos últimos dias, a notícia de sua vinda ao Brasil, para esse encontro e evento no Sesc Pompeia, havia gerado ataques de grupos conservadores nas redes sociais. Nesta terça-feira, grupos de manifestantes se reuniram em frente ao Sesc Pompeia para protestar contra e a favor da participação da filósofa no seminário Os Fins da Democracia, cuja programação vai de 7 a 9 de novembro.

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Vladimir Pinheiro SafatleJudith Butler, Silvio Rosa e Soraya Smaili 

 

Americana de origem judaica, a filósofa discorreu sobre o tema do livro, que trata da possibilidade de convivência entre israelenses e palestinos, propondo um pensamento de forma mais abrangente sobre o tema da coabitação, mesmo ou especialmente quando há hostilidade contínua. “Tanto o primeiro grupo de comentários desta conferência quanto o segundo são políticos. O que é a política senão a prática de fazer um mundo unido, buscando formas de governarmos a nós mesmos como povo, mesmo quando, ou especialmente quando, esse povo está dividido ou em estado de hostilidade continuada?”, observou.

A filósofa frisou a dor que se alastra pelo mundo quando se observam as injustiças e a oposição a elas, que não é forte o suficiente. “Para quem conhece meu trabalho no tema gênero, pode parecer estranho o tema de ‘Caminhos Divergentes’. Meu livro considera como pode ser possível, dentro da tradição judaica, desenvolver uma crítica ao Estado de Israel pela subjugação do povo palestino, desde sua fundação, em 1948. O livro fala de alguns princípios da ética judaica para sugerir que o Estado de Israel não exemplifica os valores mais elevados que uma pessoa encontra no judaísmo. Ao mesmo tempo, podemos ler escritores palestinos para pensar com eles sobre a dor do conflito e o futuro da coabitação.”

Ao finalizar sua conferência, Judith Butler observou: "É como se fossem dois irmãos e lamentássemos somente a morte de um. É necessário ter sororidade com diferenças de gêneros e nações. Compreender a ressignificação e as mobilizações.”


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Fotos: Departamento de Comunicação Institucional (DCI/Unifesp)