Mahmoud Darwish, poesia pela Palestina

Seg, 14/05/2012 - 20:00

Por Michel Sleiman, Presidente do ICArabe

O grande poeta palestino Mahmoud Darwish, nascido na aldeia de Birwa em 1942 e morto na cidade de Houston, EUA, em 2008, conhecido pela obra traduzida para 20 idiomas, escreveu importantes ensaios e textos de reflexão política publicados ao longo dos anos em revistas e jornais do mundo árabe. Parte desse trabalho encontra-se numa publicação de 1991 da editora marroquina Dar Toubqal, de Casablanca, que reúne alguns dos textos publicados no jornal Alyawm Alsábii (O Sétimo Dia) entre os anos de 1986 e 1988, todos em prosa com exceção do poema“Efêmeros em palavras efêmeras”, que dá título ao livro e que aqui se apresenta em tradução. O poema critica os patriotas sem raiz, pessoas passageiras no trem mais fugaz da História recente, e os confronta com os moradores da Palestina desde tempos imemoriais. De certa forma, dirige-se também aos falaciosos que urdem planos de convivência no âmbito vago e efêmero das palavras, que constroem e derrubam, portanto, castelos quiméricos e usam esvaziada a palavra paz: “Temos o que a vocês aqui não agrada: temos pedra”. Nos últimos anos de vida do poeta,“Efêmeros em palavras efêmeras” esteve dentre as composições mais apreciadas e lidas de Darwish, que o recitou no Festival de Jarash, na Jordânia – do qual participou inúmeras vezes a partir de 1997.

 

Leia abaixo a tradução do poema ao português, preparada pelos meus alunos de Língua Árabe na USP (Universidade de São Paulo), Alexandre Facuri Chareti, Beatriz Negreiros Gemignani, Camila Alcântara, Renata Parpolov Costa, William Diego Montecinos. Para ouvir a declamação na voz de Darwish, clique aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=pbHbX1UdQI8


Efêmeros em palavras efêmeras


1.
Vocês que passam com palavras efêmeras,
levem seus nomes e vão embora
tirem suas horas do nosso tempo e vão embora
roubem à vontade do azul do mar e das areias da lembrança
tirem fotos à vontade, e assim vão saber
que não hão de saber
como uma pedra da nossa terra constrói o teto do céu.

2.
Vocês que passam com palavras efêmeras
de vocês vem espada, de nós vem nosso sangue
de vocês vêm fogo e aço, de nós vem nossa carne
de vocês vem outro tanque, de nós vem pedra
de vocês vem a bomba de gás, de nós vem chuva.
Um mesmo céu e um mesmo ar nos cobre
peguem seu quinhão do nosso sangue, mas vão embora
entrem no jantar dançante, mas vão embora
temos que zelar pela rosa dos mártires
temos que viver como a gente quer!

3.
Vocês que passam com palavras efêmeras,
como a poeira amarga, passem onde quiserem, mas
não passem entre nós como insetos com asas
temos o que fazer na nossa terra
temos trigo a criar e regar com o orvalho do nosso corpo
temos o que a vocês aqui não agrada:
temos pedra... e perdiz!
Levem o passado, se quiserem, ao mercado das quinquilharias
devolvam, se quiserem, o esqueleto do passarinho ao prato de porcelana.
Temos o que não lhes agrada: temos o futuro
temos o que fazer na nossa terra.

4.
Vocês que passam com palavras efêmeras,
soquem seus dramas num buraco abandonado e vão embora
voltem atrás o ponteiro do tempo até o bezerro sagrado
ou até o disparo ritmado do revólver!
Temos o que a vocês aqui não agrada, então vão embora
temos o que por dentro vocês não têm:
uma pátria que jorra um povo que jorra uma pátria
que combina com esquecer e lembrar.
Vocês que passam com palavras efêmeras,
é hora de irem embora
de morarem onde quiserem, mas não entre nós
é hora de irem embora
de morrerem onde quiserem, mas não entre nós
temos o que fazer na nossa terra
aqui temos o passado
temos a primeira voz de vida
temos o presente, o presente e o que está por vir
temos o mundo aqui e temos a outra vida
saiam da nossa terra, do nosso deserto, do nosso mar
saiam do nosso trigo, do nosso sal, da nossa ferida
de tudo
saiam das lembranças da nossa memória,
vocês que passam com palavras efêmeras.