Jovem poetisa palestina fala sobre sua arte

Qui, 03/07/2014 - 20:25
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Farah Chamma tinha apenas 12 anos quando começou a escrever poemas. Tinha a atividade como um hobby para expressar coisas do seu coração adolescente. Aos 14, foi convidada para subir ao palco e declamar um de seus textos. Mudou a temática e percebeu a importância de sua arte ao ver alguém na plateia chorar. Encantou-se pela poesia falada e não parou mais de se apresentar desde então. A jovem poetisa esteve no último dia 27, no ECLA – Espaço Cultural Latino Americano, em São Paulo, declamou poesias e conversou com o público sobre seu trabalho. O evento foi promovido em parceria com o ICArabe, como parte da programação dos 10 anos do Instituto.

De família palestina, Farah nasceu em Dubai em 1994 e cresceu declarando-se palestina, mesmo sem nunca ter ido à região. Em algum momento, ela começou a refletir sobre o que é ser palestina. “Em Dubai há prédios bonitos. Não tem conflito. Não tem a questão palestina. Mas tem essa realidade, quando você nasce lá, não pode ter um passaporte [para ir à Palestina]. Mas descobri que não preciso ser palestina para me envolver. Senti que lendo e escrevendo eu vou entender melhor a causa, isso vai me encorajar. Lembrar as pessoas que há um conflito, que tem um povo que está sumindo de um jeito ou de outro, oprimido e muitos não podem voltar.”

A designação “palestina” que aparece ao lado do nome nas apresentações que faz é, segundo Farah, uma forma de resistência. “Isto é para mostrar que o povo existe, que tem gente escrevendo sobre o que está acontecendo. Muitas pessoas no mundo só têm ideias muito vagas sobre a questão”. Neste cenário, a poesia, para ela, entre outras coisas, surge como um meio de transformar acontecimentos ruins em algo positivo, não só da Palestina, mas também de qualquer outro lugar. “Se vejo que tem alguma coisa errada, então vou escrever sobre isso.”

Poesia falada

A poetisa de percepção aguçada, que está entre os mais jovens membros da Poeticians (grupo de poetas e escritores do Oriente Médio), aprendeu que a poesia escrita não é a mesma que se declama. “É muito diferente, tudo muda. Não são só as palavras, é o corpo que começa a declamar”. Esta forma de se expressar, de acordo com ela, é mais forte, transmite mais emoção. Além disso, Farah notou também que as pessoas se interessavam muito por assuntos políticos e sociais. Hoje, não se vê fazendo outra coisa. “Sinto-me responsável. Sinto que posso fazer muito com a poesia”, acredita.

A jovem estudante de Filosofia e Ciência Política na Paris-Sorbonne de Abu Dhabi faz parte de um grupo que organiza eventos toda semana em Dubai para encorajar os jovens estudantes da universidade a falar sobre diferentes assuntos. “Meu objetivo agora é chamar a atenção para a cena da poesia falada em árabe. Mas também quero aprender mais línguas.”

Um vídeo postado por Farah no youtube, no ano passado, no qual ela declamava um poema em língua árabe, que teve mais de duzentos mil acessos, foi o que a fez perceber que havia uma lacuna a ser preenchida no Mundo Árabe. “Lá não há poesia falada, não há meninas que fazem isso. Tem mais homens poetas, não tem poetisas. Agora tenho outro motivo para escrever. As pessoas têm medo de falar, de se expressar. Os meus pais têm medo por mim, falando sobre temas polêmicos. Senti também que há uma ausência na língua árabe, ela está sumindo, comecei a escrever mais, parei um pouco com o inglês.” Segundo ela, a língua inglesa é falada por 90% da população de Dubai. O árabe clássico, utilizado na escrita, acrescenta, é mais difícil que o idioma falado, o que exige mais atenção e várias revisões nos textos.

Viagens

Conhecer, ler, tentar entender e depois escrever sobre os problemas de cada lugar no idioma local foi um caminho que a poetisa encontrou para derrubar as barreiras entre ela e o público. Foi assim na França – onde escreveu sobre o véu - e no Brasil. “Quando cheguei aqui, eu não falava e não entendia o idioma. Queria conversar com as pessoas, não conseguia. Passei um ano estudando a língua e escrevi um poema [Caixas] em português para começar e ver o que podia fazer.”  

Farah diz que se sente em casa no Brasil. Morando em Santos, ela consegue andar pelas ruas, conhecer pessoas, conversar, trocar experiências. Mas alguns pensamentos estereotipados de boa parte dos brasileiros sobre o Mundo Árabe são motivos de tristeza para ela. “Não sei se é por causa da televisão, mas tem alguma coisa que não funciona aqui. São ideias muito superficiais sobre um Mundo Árabe enorme. E isso é muito triste”, lamenta.

Por outro lado, há pessoas de seu país que veem o Brasil como a terra da felicidade, de pessoas alegres que gostam de dançar e jogar futebol. “É uma visão muito mais positiva do que negativa”, garante.

Além de França e Brasil, Farah, já fez apresentações no Marrocos – onde teve problemas para entrar no país, tendo que desmarcar a palestra. Na ocasião, conta ela, os jovens marroquinos se manifestaram nas redes sociais e até a TV local falou sobre o assunto. Após um mês, a situação foi resolvida e ela conseguiu enfim realizar seu trabalho no país. Viajar para entender o mundo, levando na bagagem sua poesia é outro objetivo de Farah. “Quando comecei a viajar, percebi que é muito mais difícil entender as coisas de longe. Tenho que viver para entender. Tenho sorte de poder viajar. Estou muito feliz e não quero parar”, finaliza.