O Instituto da Cultura Árabe – ICArabe apresenta mais um verbete da série especial voltada a aprofundar o entendimento sobre o mundo árabe. A iniciativa reforça a missão do Instituto de difundir conhecimento confiável e promover a valorização da diversidade cultural, contribuindo para quebrar estereótipos e ampliar a consciência crítica da sociedade.
Confira a lista completa de verbetes neste link
Raqs
O termos raqs significa “dança” em árabe, tal como aparece na expressão Raqs Sharq (dança oriental), que designa as danças femininas de solo improvisadas do Oriente Médio e de regiões conexas. Essas danças foram popularizadas no Ocidente sob o rótulo “Dança do ventre”, termo de maior apelo comercial surgido no século XIX, a partir da associação pejorativa que colonizadores franceses fizeram entre danças árabes e performances de cabaré.
De etimologia desconhecida, o léxico da raqs designa expressões dançantes variadas desde a antiguidade e em diversas línguas além da árabe, como o siríaco e o grego, aparecendo sob a grafia hebraica como raqd no Antigo Testamento. Embora não se faça referência à raqs no Alcorão, a jurisprudência islâmica se ocupa de sua terminologia desde o século VIII, quando o teólogo Ibn Hanbal proibiu a dança por analogia ao jogo e em sua conexão com a música, bebida e as artes mágicas. Assim que as proibições alcançam os recitais lírico-musicais dos sufis, no século IX, inicia-se um longo debate teologal sobre a audição (samá), na qual alfaquis (juristas expertos em lei islâmica), teólogos e sábios (ulemás) recorreram a conceitos filosóficos e místicos para sustentar as suas argumentações.
Definições da raqs foram feitas por diversos autores, tanto árabes como não-árabes, dentre os quais destacam-se: o filósofo al-Farabi (870-950 d.C.), que classificou a raqs como modalidade percussiva, portanto musical, em diferenciação ao coro (zafn); o sheikh sufi Ahmad Ghazali (1061-1123), que sugeriu identificar tradições dançantes pela significação dos elementos coreográficos, relacionando raqs ao êxtase místico; o teólogo al-Ghazali (1058-1111 d.C.), que defendeu a dança, ampliou a noção proposta pelos Ikhwan al-Safa (séc. X), da raqs como arte corporal de harmonização cósmica, e especificou os parâmetros da prática devocional e extática (raqs-has); e o dançarino e poeta místico persa Jalal Uddin Rumi (1207-1273 d.C.), que compreendeu a raqs como linguagem sagrada e mecanismo epifânico presente em todas as formas de vida.
Muitos outros autores também contribuíram com suas definições e o debate se desdobrou para os contextos persa, turco e indiano, desde o século XVI, com diferentes repercussões.
Na atualidade, em alguns casos, a retomada do debate se destaca pelo retrocesso, como a proibição da dança no Irã, em 1982, cuja censura se estendeu ao uso do próprio termo raqs, de modo que as práticas coreográficas posteriormente permitidas naquele país, a partir de 2000, foram apenas aquelas com a definição estrita de harikat wa mawzun (“movimento e ritmo”, em persa).
Leandra Yunis
Leandra Yunis é membro docente da Cátedra Edward Said da Unifesp, historiadora de coreopoéticas orientais e pesquisadora de orientalismo em tradução literária e historiografia. É autora de Por que danço ao sol? Um estudo sobre a dança no islã e na poesia de Jalal Uddin Rumi (2021).
