Os almorávides e o islã tribal
"Não quero que me acuse de entregar o Alandaluz aos cristãos... não quero que me maldigam em todos os cantos do islã. Se tenho que escolher, prefiro acalmar os camelos dos almorávides a cuidar dos porcos dos cristãos". Assim respondeu o rei-poeta da taifa de Sevilha, al Mutamid, a seu filho, que tentava convencê-lo a não pedir ajuda aos almorávides do norte africano. Durante anos al Mutamid e os príncipes de Granada e Badajoz se comunicaram com o chefe almorávide Yusuf b. Tasfin propondo que cruzasse o Gibraltar para ajudar a barrar o avanço dos exércitos cristãos. A soberania do Alandaluz seria preservada, mas a decisão de al Mutamid trouxe graves desdobramentos.
Os almorávides vieram do mais profundo Sahara. Nômades duros e severos seguidores das leis corânicas, eram berberes da tribo Sinhâya que, como os Tuareg, mantinham o rosto coberto: os homens, não as mulheres. Sua saga teve origem num ribát , um tipo de fortaleza, idealizada por um asceta marroquino, Abd Alláh b. Yasin, em uma das ilhas do rio Niger. Num ribát se encontravam os voluntários da jihad, a guerra santa em sua peculiar visão tribal magrebina. Eram chamados de al murábitúm que em castelhano derivou para almorávides. Esse tipo de fortificação se espalhou por onde houvesse focos de luta contra outras fés, uma fervorosa marcha pela disseminação do islã.
A nobreza da tribo dos Sinhâya se integrou ao ribát e partiu rumo a islamização das tribos do norte do Sahara, de Agadir a Argel. Yúsuf b. Tasfín, contatado pelos alandaluzes, era o terceiro chefe dos almorávides, fundou Marrakesh e submeteu regiões hoje conhecidas como Senegal, Marrocos e Argélia. Contam que era piedoso e marcado pela sobriedade. Segundo Ibn Khaldun, os nômades unificados pelo fio espiritual abrem caminhos para grandes impérios. Mais uma observação arguta do pensador de sua gente.
Al Mutamid, o rei poeta, junto a seu aliado de Badajoz, recebeu em Algeciras, aos 30 dias de junho de 1086, o soberano que dominava o nordeste do Magreb, seguido de suas tropas. Yusuf b. Tasfin permaneceu observando a ofensiva cristã e a luta dos muçulmanos espanhóis pelo seu território, sua fé e forma de vida. Com a batalha avançada, os berberes atacaram ao som estremecedor dos tambores tribais. A vitória sobre os cristãos trouxe confiança e audácia. Yusuf b. Tasfin deixou três mil cavaleiros almorávides a disposição do Alandaluz e retirou-se na direção de além Gibraltar. A cultura das tribos do deserto se atrelou ao islã dos refinados hispano-árabes de forma indigesta: os almorávides aproveitaram a brecha para penetrar no território alandaluz.