Em São Paulo, Milton Hatoum faz leitura para estudantes no Centro Cultural da Juventude
Abertura do evento contou com as presenças do Prefeito Fernando Haddad, do secretário Municipal de Cultura, Nabil Bonduki, do secretário Municipal de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy e do seu subsecretário, Rogério Sottili.
Haddad ressaltou o significado da atividade para uma plateia formada por jovens de quatro escolas municipais da região. “A ideia da cultura é essa, é fugir do quadradinho, da limitação formal, no sentido estrito, e ampliar os horizontes”, disse. “A educação é muito mais ampla do que as disciplinas que se aprende na escola. Isso aqui também é aprendizado. Atividade essencial para o desenvolvimento que vai para muito além dos muros da escola e vai acompanha-los por toda a vida”.
Para Bonduki a relevância do evento está no seu significado integrador. “Esta é uma atividade de cultura plenamente articulada com a educação. É importante fazer a relação entre educação e cultura. Com isso, estamos, na prática, construindo o ensino em tempo integral”, pontuou e acrescentou que este é um grande passo que “temos que dar em direção a uma educação de qualidade no País e que não se dará apenas na escola, mas também com muitas outras atividades”.
A uma plateia de jovens atentos e curiosos em saber mais a respeito de sua trajetória, Milton Hatoum contou sobre seu primeiro contato com os livros. Era ainda um adolescente de 12 anos, em Manaus, quando leu “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, o qual quarenta anos mais tarde prefaciou para uma edição da Companhia das Letras. “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, é outro clássico que faz parte da adolescência de Hatoum, além dos contos de Machado de Assis, cuja linguagem o encantou desde o primeiro momento.
A intenção do escritor foi mostrar aos jovens a importância da leitura desde cedo. Ler para compreender o mundo ao redor. Fazê-los entender que o ato da escrita de um livro, um romance é algo que está intrinsecamente ligado ao ato ler e à experiência pessoal. As memórias guardadas dos tempos vividos. “Não pode ter pressa para escrever, nem se pode querer ser um escritor lendo apenas best sellers”, alertou ele, que contou trabalhar de 8 a 12 horas por dia quando está preparando um livro.
Depois de ler uma das crônicas da edição de bolso distribuída gratuitamente a todos os participantes, o escritor respondeu a perguntas diversas feitas pelos estudantes. Hatoum ressaltou o fato de que jovens brasileiros de famílias com menor poder aquisitivo têm hoje mais acesso aos livros. “Tenho notado esse interesse maior deles pela literatura. Isso é importante”, pontuou.
E aproveitou para fazer um paralelo entre a literatura e outras atividades. “A literatura, ao contrário da musica que se ouve em pouco tempo e do cinema, que pode ser assistido em duas horas, por exemplo, exige maior esforço e concentração. Um romance como “Crime e Castigo”, de Dostoievsky, não pode ser lido rapidamente. Tem que dedicar muito tempo na leitura de um livro mais complexo”, explicou.
Adaptações de “Dois Irmãos"
Neste ano, seu livro “Dois Irmãos” foi adaptado aos quadrinhos pelos gêmeos Fabio Moon e Gabriel Bá, que participam de uma mesa de debates sobre o mundo das HQs, como parte do circuito. E também ganha adaptação para série de TV.
O escritor não poupa elogios ao trabalho dos gêmeos. “Achei incrível. Eles souberam traduzir com imagens e palavras a essência do 'Dois Irmãos'”, salientou. “É um trabalho gráfico excepcional. Eu adorei o livro. Nem foi necessário usar o texto na integra, pelo contrário, muitas imagens substituem o texto. Não precisa dizer tudo, esse é o poder da imagem/desenho.”
Sobre o fato de o livro virar minissérie, Hatoum, que não quis interferir no roteiro, acredita que a atração tem tudo para ser sucesso. “A minissérie é dirigida por Luiz Carlos Carvalho, acho que também será muito boa porque ele é um grande diretor. Li o roteiro, é ótimo, assim como o elenco. Eu não me intrometo. Escrevi o livro. Essa é outra linguagem e eu não saberia lidar com isso, então é melhor deixar com eles”, disse.
Cultura Árabe no Brasil
Hatoum salientou que o Brasil é um país de migração e que a imigração árabe aqui foi de suma importância para país inteiro. Hoje, há entre 8 e 10 milhões de brasileiros de origem libanesa e síria. Esses e outros descendentes de imigrantes, disse, deram uma enorme contribuição econômica, cultural para o país. “Basta lembrar, no caso da cultura árabe, entre outros livros de gramática importantes, do grande Dicionário de Língua Portuguesa, de Antônio Houaiss, filólogo, crítico literário e diplomata, filho de imigrantes libaneses”, ressalta Hatoum, sobre a paixão dos árabes pela língua. Estão também na literatura, são pintores, artistas, dramaturgos de origem árabe, mas brasileiros. “O meu país é o Brasil. Sou brasileiro de origem libanesa”, enfatizou.
Ainda neste contexto, o escritor comentou também sobre o Instituto da Cultura Árabe e sua missão de preservar a memória dos árabes no Brasil. As atividades do ICArabe ressaltou, são de suma importância para a cultura brasileira entender como a cultura árabe está viva e para desconstruir os estereótipos sobre os árabes.
“Há uma campanha infame, persistente de um certo Ocidente em relação aos árabes e aos muçulmanos”, afirma. “É muito fácil construir um clichê sobre outro povo, difícil é desconstruí-lo. O ICArabe, quando realiza festivais de cinema e promove cursos e debates sobre a cultura árabe enriquece a nossa cultura. Até porque as culturas não são isoladas. O Ocidente quer se isolar, às vezes, da cultura oriental, mas isso é um artifício, uma mentira porque elas estão entrelaçadas, são interdependentes”, argumentou.
Segundo ele, basta pensar na cultura árabe de Andaluzia do século VIII ao século XV. Foram sete séculos de convivência da cultura árabe (Islâmica, Judaica e Cristã). “Então essa separação é falsa, isso é importante ressaltar”. E finalizou chamando atenção para o espírito de solidariedade dentro da própria comunidade árabe. “Acho que as pessoas deveriam participar e colaborar mais.”